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Livro |
Será excessivo
falar-se de um «Código de S. Vicente». Mas os Painéis atribuídos a Nuno
Gonçalves envolvem mistérios ainda hoje não descodificados.
Por João Paulo Guerra, Diário
Económico,
17 de Maio de 2006
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Arcebispo |
Os Painéis de S. Vicente de Fora sempre estiveram rodeados de mistérios,
polémicas, interpretações e especulações desde que, na passagem do século XIX
para o século XX, foram identificados e recuperados. Atribuídos a Nuno
Gonçalves, pintor da corte de D. Afonso V, que reinou entre 1438 e 1481, os
Painéis foram datados há cinco anos, por métodos científicos, de 1445, como ano
plausível da sua conclusão, o que contrariou versões anteriores que os
localizavam em outras décadas do século XV. De resto, mais nenhuma polémica
sobre os Painéis se revelou conclusiva.
A primeira questão com os Painéis envolve a sua autoria. A primeira
referência a Nuno Gonçalves como autor das tábuas de S. Vicente é de Francisco
da Holanda, pintor e humanista do século XVI, que se referiu, na sua obra «Da
pintura antiga», ao «pintor português» Nuno Gonçalves «que pintou na Sé de
Lisboa o altar de S. Vicente».
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Infante |
As tábuas de madeira de carvalho pintadas a óleo e têmpera andaram
transviadas no Paço Patriarcal de S. Vicente de Fora até que foram
redescobertas em 1882. Posteriormente assentou-se na formulação sobre a
autoria, sendo a obra «atribuída» a Nuno Gonçalves, o «Fernão Lopes da nossa
pintura», como lhe chamou Guerra Junqueiro. Supostamente, segundo alguns
autores, a obra encontra-se assinada no peito da bota direita de D. Afonso V,
no Painel do Infante. Simultaneamente fixou-se a designação e sequência dos
Painéis – conforme a exposição no Museu Nacional de Arte Antiga – de acordo com
o que supõe que tenha sido a ordem original, da esquerda para a direita: painéis
dos Frades, dos Pescadores, do Infante, do Arcebispo, dos Cavaleiros e da
Relíquia.
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Cavaleiros |
Outro dos mistérios que envolvem os Painéis de S. Vicente de Fora tem a
ver com as personagens que figuram no políptico e que reconstituem a organização
social da época: clero, nobreza e povo. São 58 e apenas S. Vicente figura em
duas das seis tábuas, na do Infante e na do Arcebispo. De resto, admite-se que
figurem nos Painéis D. Afonso V, de joelho em terra no Painel do Infante, e o
futuro D. João II, a criança do mesmo painel. Mas a figura que tradicionalmente
se identifica com a imagem do Infante D. Henrique já foi descrita como sendo D.
Duarte, situando-se o verdadeiro Infante de Sagres ajoelhado no Painel dos
Cavaleiros. E não é certo que a última figura do canto superior direito do Painel
do Infante seja a do próprio Nuno Gonçalves. Como não é seguro que seja D.
Fernando, irmão do rei, quem se vê à direita do Santo no painel do Arcebispo.
«Charada»
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Pescadores |
Uma das polémicas sem redor dos Painéis de S. Vicente de Fora envolveu,
nos anos vinte do século passado, Almada Negreiros e outros artistas do
modernismo português. Atacado pelos defensores do academismo, que contrapunham
à «degenerescência» dos seus «mamarrachos» o «maravilhoso políptico» atribuído
a Nuno Gonçalves, Almada argumentou que, subjacente aos Painéis, havia uma
«matriz matemática», teorizou em 1926 sobre «a perspectiva dos ladrilhos» e
chegou a ver, no Painel do Arcebispo, o mapa de Portugal.
Mais ou menos
académicas, artísticas ou científicas, as interpretações dos Painéis derraparam
para o completo absurdo quando, nos anos 30, coincidindo com a intensa
propaganda do «Estado Novo» desencadeada por António Ferro, o Notícias
Ilustrado chegou a vislumbrar a efígie de Salazar premonitoriamente representada
numa das tábuas do século XV, na última fila, ao centro, no Painel dos
Pescadores.
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Relíquia |
Uma das mais recentes interpretações dos Painéis, parcialmente disponível
na Internet (
http://paineis.org/), é da autoria
de António Salvador Marques e segue o título «Painéis de S. Vicente de Fora –
Modo de Utilização». O autor, com base na argumentação e não na pesquisa
histórica, defende que os Painéis «são uma charada intencional», para cuja
interpretação se socorre de «memórias de infância», «cavaleiros verdes, rainhas
vermelhas e chapeleiros loucos, capacetes luminosos e coroas de pérolas».
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Frades |
O
autor «julga saber» que existe «uma tradição política» à volta dos Painéis, que
situa nos alvores da «geração republicana», e defende que «os pontos de vista
oficiais ou semi-oficiais não são menos absurdos que os outros: têm apenas atrás
de si o peso de algumas autoridades».
Os mistérios dos Painéis, dos pontos de vista histórico, artístico,
iconográfico e até esotérico, interessaram investigadores tão diversos como
Joaquim de Vasconcelos, o autor da descoberta das tábuas e da primeira tese, publicada
em 1895, Vitorino Magalhães Godinho, Jorge de Sena, Jaime Cortesão, Belard da
Fonseca, José Hermano Saraiva, Dagoberto Markl, Paulo Pereira, Dalila Pereira
da Costa, Jorge Filipe de Almeida e Maria Barroso de Albuquerque. Mas, ao fim
de cinco séculos e meio da pintura do políptico e de 100 anos de
interpretações, permanecem os mistérios.
Painéis de S. Vicente de Fora
Museu Nacional de Arte Antiga
Rua das Janelas Verdes, Lisboa
Horário: terça a domingo:
10h00-18h00
Ingresso: Bilhete: 6,00 €.
Descontos: idosos, estudantes, cartão jovem, bilhete de família.
3 comentários:
O titulo tem uma "gralha"!
Obrigado, já não tem.
JPG
Caro João Paulo Guerra
Deixo aqui o link de um dos meus blogues no qual exponho o meu ponto de vista e interpretação sobre os Painéis e que corresponde o meu primeiro estudo sobre os Painéis:
http://clemente-baeta.blogspot.pt/
Este já teve uma continuação com um segundo volume, cujo índice poderá consultar em:
http://paineissvicentedefora.blogspot.pt/search?updated-min=2014-01-01T00:00:00Z&updated-max=2015-01-01T00:00:00Z&max-results=12
Presentemente estou a investigar e a escrever o que será o terceiro tomo relativo a esta temática.
Abraço.
Clemente Baeta
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