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terça-feira, 24 de abril de 2018

Salgueiro Maia: "Implicado" no 25 de Abril



          O capitão Salgueiro Maia tinha 29 anos e todas as ilusões da sua geração quando, em 25 de Abril de 1974, veio de Santarém a Lisboa à frente de 240 homens numa coluna de 10 carros de combate. Em cerca de 12 horas derrubou um regime de 48 anos. Fez o que tinha a fazer e regressou á Escola Prática de Cavalaria.
       Licenciado em Ciências Sociais e Políticas e em Antropologia, Fernando José Salgueiro Maia, 47 anos [em 1992], tenente-coronel de Cavalaria, comanda o Grupo de Comando e Serviços da Escola Prática de Santarém e dirige o Museu da Cavalaria. Não quis, como capitão de Abril, as estrelas da Revolução, tal como não quer a baixa ao Hospital Militar que a doença grave de que padece justificaria. Mantém-se no activo e não se queixa por si mesmo, mas por toda uma geração de “implicados no 25 de Abril”.

Texto João Paulo Guerra, Fotos de Luís Silva, para a agência CNTV,

entrevista editada no Público e TSF, em 17 de Janeiro de 1992.



Pergunta – Quer mesmo usar a expressão “implicados” no 25 de Abril?
Salgueiro Maia – Quando digo implicados, quero referir-me a todos aqueles que se as coisas tivessem corrido mal não podiam dizer que não sabiam de nada. Estamos a ser marginalizados desde 1976. Chegámos a estar nove oficiais do Movimento desterrados nos Açores.
P. – Costuma dizer-se que os revolucionários são devorados pelas revoluções. A revolução dos capitães foi devorada pelos majores, coronéis e generais?
S.M. – Não, não é isso. A marginalização é da responsabilidade do poder político. Em paralelo com a marginalização da nossa geração, foi extinta a Comissão do Livro Negro do Fascismo, foi extin
ta a Comissão do Museu da Revolução, a Assembleia da República deixou, a partir do ano passado [1991], de convidar a Associação 25 de Abril para as comemorações do 25 de Abril, a Associação foi despejada do Forte do Alto do Duque, com o argumento de que as instalações eram precisas. Claro que as instalações deixaram de ser necessárias depois do despejo e foram cedidas a uma associação que, por acaso, comemora o 28 de Maio. Tudo isto indica que agora que o 25 de Abril vai atingir os 18 anos, a idade adulta, nós possamos ser julgados. O que, pelo menos, nos daria a vantagem de ficarmos a saber qual seria a duração das penas.
P. – Dizia-se em 1974, sempre que alguma coisa corria mal: “Não foi para isto que se fez o 25 de Abril”. É isso que está a querer dizer?
S.M. – Não. O 25 de Abril é a utopia da liberdade e da democracia e nós temos a liberdade e a democracia possíveis. Mas temos também esta situação caricata dos responsáveis do 25 de Abril a serem tratados como marginais. Entrámos para a Academia Militar com acesso ao posto de coronel. Desde 1 de Janeiro, só podemos chegar a tenente-coronel. Nós, que servimos para comandar unidades há 18 anos, não servimos agora para coronéis. 
P. Mas há formas de acesso, embora mais restritas, ao posto de coronel.
S.M. – Há determinados cursos e uma escala valorativa, mas esse não é o problema. Toda a escala é um critério. A gravidade é que ele deveria aplicar-se a todos os indivíduos de igual modo. E a minha geração, que já não tem idade para frequentar determinados cursos, é surpreendida com esta decisão e marginalizada, mais uma vez.

A geração do MFA

P. – Foi uma geração que ficou marcada por ter feito a revolução?
S.M. – Os cursos que entraram para a Academia em 1963, 64 e 65 foram a base do MFA. Foi a partir do início da guerra que a Academia Militar passou a abrir a porta. E os que entravam, sabendo-se que estávamos em guerra, iam para a Academia por idealismo, sabiam que se iam sacrificar, que iam para a guerra. Mas o idealismo, aliado à generosidade e ao espírito de contestação dos anos 60, predispunha para dar a volta ao texto. Em 1974 encarámos o risco: vamos ou não vamos? Optámos por arriscar, mesmo não sabendo o que vinha a seguir. É que, para nós, não queríamos nada.
P. – A passagem pela guerra colonial foi decisiva?
S.M. – Fiz a primeira comissão em Moçambique, em 1966-68, como alferes. Em geral, os oficiais do Quadro iam como capitães, pelo que toda a gente me tomava por miliciano e falava comigo com grande abertura. Essa abertura foi o primeiro dado que me levou a pensar que a guerra não tinha solução. Como era o primeiro do meu curso podia escolher a colocação e escolhi uma companhia de Comandos. A vida no mato e a participação na guerra mostraram-me uma outra realidade: o trabalho forçado, os castigos corporais, o racismo, tudo o que fazia parte do dia-a-dia do sistema colonial e que era a negação do que a propaganda do regime dizia. Não tive dúvidas de qual seria o fim da história. Depois estive na Guiné, já como capitão, e o contexto militar era bem pior. Só encontro paralelo com o cenário do filme “Platoon”.
P. – Um cenário de derrota militar?
S.M. – Só não era de completa derrota devido à capacidade de resistência do soldado português.
P. – E foi na Guiné que aderiu ao Movimento dos capitães?
S.M. – Entrei para o Movimento na Guiné, e quando regressei, em Setembro de 1973, foi nomeado representante da Cavalaria, até porque era, dos oficiais da arma de Cavalaria envolvidos, o capitão mais antigo. E era importante que os problemas de antiguidade não quebrassem a estabilidade do Movimento.
P. – E foi assim que no dia 25 de Abril apareceu como a face visível do Movimento, a comandar a operação decisiva?
S.M. – Fui eu que comandei a coluna de Santarém pela simples razão de que não havia mais voluntários. Eu tinha assegurado á Coordenadora que avançava para conquistar o coração de Lisboa com 48 horas para me preparar. De resto, o Movimento assentava num grupo de vinte e tal oficiais, designado por Coordenadora e escolhido por votação entre cerca de 200 oficiais, que executou toda a acção do 25 de Abril. Também decidimos, numa votação, que para o exterior apareceria um cabeça-de-cartaz, o Otelo, e que os outros ficavam na expectativa para intervir, se fosse necessário, naquilo que sabiam fazer, que era no plano militar, para garantir que se pudesse viver em liberdade e em democracia.
P. – Saiu de Santarém para Lisboa com um plano?
S.M. – O plano era não dar nas vistas.
P. – Não dar nas vistas com 240 homens e 10 viaturas não era fácil…
S.M. – Nos últimos tempos, todas as semanas eu saia com uma coluna, a meio da noite, para que quando saísse a sério se pensasse que era rotina. Mas eu sabia que andava a ser vigiado. Havia um legionário em permanência junto à minha residência e um “pide” à porta do quartel. Até nos dava prazer despistar os tipos. Mas nós estávamos decididos. Dali só para diante.

A revolução ganha pela rádio

P. – Antes da acção do Movimento, em Abril, houve o 16 de Março. O que foi? Uma falsa partida?
S.M. – O 16 de Março não tem nada a ver com o Movimento das Forças Armadas. Um grupo de oficiais, que sabia que as coisas estavam a andar, avançou para liderar o processo. Eram oficiais na generalidade ligados a Spínola. Não tenho provas se o general teve conhecimento ou não, mas creio que não. Na Escola fomos avisados: “Estamos a marchar para Lisboa. Venham connosco”. Mas não tínhamos capacidade para sair com eles. Só para municiar uma viatura blindada demorava horas. Já depois do fracasso do 16 de Março, fomos mandados cercar as Caldas da Rainha. Propositadamente, demorámos oito horas de Santarém às Caldas. Um homem pôs um jipe na valeta. Enquanto se tirava o jipe da valeta, outro esvaziou um pneu. Mesmo assim, no regresso a Santarém os soldados queixavam-se de que a população lhes tinha chamado cobardes e maricas por não terem aderido. Foi por isso que tantos me seguiram quando saí para derrubar o regime. E eram todos voluntários.
P. – Como é que os homens manifestaram a disposição de participar?
S.M. – Formei os homens na parada do quartel e disse-lhes qualquer coisa como isto: "Há diversas modalidades de Estado: os estados socialistas, os estados corporativos e o estado a que isto chegou. Nesta noite solene, vamos acabar com o estado a que isto chegou. De maneira que quem quiser vem comigo para Lisboa e acabamos com isto. Quem é voluntário sai e forma. Quem não quiser vir não é obrigado e fica aqui." Vieram 240 voluntários. 
P. – E no dia 25 de Abril vieram bem mais depressa de Santarém para Lisboa do que tinham ido para as Caldas. Foi um passeio?
S.M. – Passados todos estes anos, as pessoas pensam que o regime caiu de podre. Também é verdade mas não foi só isso. Fomos nós que o fizemos cair, embora com uma força que, na verdade, não existia.
P. – A força que comandou era de 240 homens. Era muito? Pouco? Nada?
S.M. – Desses 240 homens, cerca de 200 eram instruendos dos cursos de oficiais e sargentos milicianos, tinham entrado em Janeiro e, com três meses de instrução, se tivessem que dar tiros corria-se o risco de se matarem uns aos outros. As viaturas eram obsoletas, da II Guerra Mundial. Eu tinha algumas sem motor de arranque que, se parassem, não voltavam a andar, outras que não tinham granadas, uma auto-metralhadora que não tinha metralhadora: atou-se, com arames, uma metralhadora normal, porque a de origem já não existia. O êxito deve-se, essencialmente, à surpresa e à nossa capacidade para dominar a comunicação social. Se a I República se ganhou pelo telégrafo, o 25 de Abril ganhou-se pela rádio.
P. – Mas a população fez precisamente o contrário das recomendações dadas pela rádio para que ficasse em casa…
S.M. – Foi a coisa mais extraordinária que aconteceu. Passados estes anos, e quando leio as Crónicas de Fernão Lopes, verifico que o contexto é o mesmo. Nós estávamos dispostos a derrubar o regime e o povo veio para a rua dar-nos razão.

Um plano de resistência em Santarém

P. – Quando saiu de Santarém foi para ganhar uma guerra ou foi á aventura?
S.M. – O nosso objectivo principal era mostrar ao País que o regime perdera o seu pilar militar, tal como estava a perder o da Igreja. Se as coisas corressem mal em Lisboa, nós, pelo menos a tiro, abríamos caminho de volta a Santarém, onde teríamos condições para resistir, entrincheirados, dando tempo para mobilizar a opinião a nível nacional e internacional. O plano estava todo traçado: cortar o caminho-de-ferro Lisboa – Porto, a Estrada Nacional, as ligações telefónicas e o abastecimento de água à capital. Queríamos demonstrar ao País que o pilar militar estava a retirar o apoio ao regime. O regime assentava na religião e na tropa. Se o regime perdesse o apoio da tropa e da Igreja seria natural que o povo tomasse o seu destino nas mãos. E depois, também estávamos convencidos de que muitos dos nossos camaradas, capazes de roer a corda no 25 de Abril, não conseguiriam disparar sobre nós.
P. – Fizeram esse Plano porque reconheciam que corriam riscos?
S.M. – Nós corríamos dois perigos: o primeiro era não ganhar e isso implicaria sermos considerados traidores à Pátria. Pelas leis vigentes poderíamos ser fuzilados. O segundo era ganhar continuando com o problema de fundo. Nós não éramos significativos no contexto militar, não tínhamos garantias de que, ganhando, passaríamos a viver em liberdade e em democracia. Mas mesmo assim assumimos um compromisso: pela primeira vez, um grupo de militares propôs-se derrubar o poder e não se substituir a esse poder. Não queríamos encontrar um “salvador da Pátria”.

P. – Mas as coisas correram bem em Lisboa, apesar de alguns momentos de grande tensão?
S.M. – O momento decisivo foi no Terreiro do Paço, quando o brigadeiro Junqueira dos Reis, que comandava a força que nos interceptou, deu ordem: “Dispare sobre aquele homem”. Aí, eu tinha duas opções: ou tentava fugir, mas com isso incentivava o instinto do caçador, ou ficava quieto. Foi o que fiz e funcionou. Primeiro, o alferes comandante do pelotão de carros recusou-se a atirar e foi preso. O brigadeiro deu-lhe voz de prisão, ali mesmo. Depois, o brigadeiro foi à torre do carro de combate e disse para o apontador, que era um cabo: “Dispare sobre aquele homem”. E o cabo não disparou. E quando um brigadeiro deu aquela ordem de fogo e um cabo não disparou, aí fez-se o 25 de Abril. Foi o indicador de que a situação era irreversível.
P. – Antes desse episódio ainda tentou resolver a situação pelo diálogo. No plano das armas não tinha condições para vencer?
S.M. – Nós fomos sendo cercados, no Terreiro do Paço, por forças da Guarda Republicana e da Polícia. Até que apareceu um pelotão de carros de combate. E nós não tínhamos armas anti-carro. Não tínhamos armas para combater os carros de combate que nos fizeram frente. Qualquer deles teria resolvido a situação militarmente. Por isso pedi para dialogar com o comandante das forças a avancei ao seu encontro. Mas levava uma granada no bolso. Se fosse preso, sem conseguir safar-me, o meu futuro não seria nenhum. Accionava a granada e íamos todos. Antes isso que ser preso e aparecer, mais tarde, numa Praia dos Cães qualquer.
P. – E do Terreiro do Paço seguiu directo para o largo do Carmo?
S.M. – Soubemos que o Marcelo Caetano estava no Quartel da GNR no Largo do Carmo. Mas nós não sabíamos o caminho para o largo do Carmo. Foram os populares que nos guiaram a partir do Rossio. Chegámos ao Largo do Carmo e toda a gente das redondezas queria ajudar, diziam-nos que do seu terraço, ou da sua janela, se via tudo para o interior do Quartel. O Quartel estava fechado, com armas à vista para se defender e nós não tínhamos armas para actuar contra eles. As únicas granadas que levávamos tinham um raio de acção de 200 metros. O Largo tem 70. Se eu disparasse uma única granada fazia umas centenas de mortos.
P. – Mas as suas tropas chegaram a abrir fogo.
S.M. – Arranjei-lhes um alvo suficientemente amplo para ter a certeza que lhe acertavam com a metralhadora. Mandei disparar para o telhado, até porque no telhado não estava ninguém. A minha preocupação era não haver baixas. A morte reproduz-se em progressão geométrica e o importante era não começar. E então mandei abrir fogo para o telhado. Assim que disparámos os primeiros tiros os militares da Guarda Republicana começaram aos berros dentro do Quartel: “Misericórdia. Não disparem. Nós rendemo-nos”. Estava feito.

Costa Gomes não estava em casa

P. – Quando, a meio da tarde, após várias horas de tensão, entrou no Quartel do Carmo, que imagem encontrou de um poder com 48 anos?
S.M. – Antes de entrar no Quartel do Carmo disse para as minhas tropas que se não voltasse dentro de 15 minutos arrasassem o Quartel. Claro que não podíamos arrasar coisa nenhuma. Era para os que estavam lá dentro ouvirem.
P. – Levava a granada de mão no Bolso?
S.M. – Levava, claro. Quando, já dentro do Quartel, me dirigia para a zona onde estava Marcelo Caetano, ouvi um barulho que parecia de crianças a chorarem. Afinal, eram os ministros Rui Patrício e Moreira Baptista com ataques de histeria.
P. – E Marcelo Caetano?
S.M. – Marcelo Caetano estava sozinho no gabinete, pálido, a gravata a três quartos, barba por fazer mas, pelo menos, com dignidade. Fiz-lhe a continência militar e disse-lhe: “Sou o comandante das forças sitiantes, venho exigir a sua rendição incondicional. Se ela não for obtida, o senhor é o responsável pelas mortes que possam ocorrer”. Ele disse-me que já não governava e que esperava ser tratado com a dignidade com que sempre vivera. E que desejava um general a quem entregasse o poder, para que o poder não caísse na rua. Eu disse-lhe que ia contactar o meu PC [posto de comando]. E ele: “Quem é o PC?”. Respondi-lhe que era um conjunto de oficiais generais. E ele disse-me que já falara pelo telefone com o general Spínola e que este lhe respondera que não tinha nada a ver com o Movimento.
P. – Acabou por ser Marcelo Caetano a participar na escolha, ou a escolha de Spínola foi do Movimento?
S.M. – Nós tínhamos, por uma votação, designado o general Costa Gomes. Só que, no próprio dia 25 de Abril, ele não estava em casa. Posteriormente soubemos que se encontrava no Hospital Militar. Mas como o Posto de Comando não encontrava o general Costa Gomes entrou em contacto com o general Spínola a dizer-lhe o que se passava. Que o homem, para se render, queria um general. Então que avançasse o general Spínola. Foi isso que aconteceu.
P. – Foi uma revolução um pouco bizarra…
S.M. – Para nós era importante que Marcelo Caetano se rendesse, para tirar todo o argumento a quem nos pretendesse acusar de termos usurpado o poder. Por isso, a minha preocupação foi que ele abdicasse do poder e o transmitisse formalmente. Porque o poder, de facto, éramos nós que o tínhamos nas mãos. Há um pormenor desse momento que nunca mais esqueço e que tem algum significado. Na altura da conversa com Marcelo Caetano, eu ouvia ao mesmo tempo o barulho das águas a correrem pelo vão dos elevadores do Quartel…
P. – Águas a correrem?
S.M. – Quando disparámos para o telhado para os levar a renderem-se tínhamos rebentado com os depósitos de água… E então ouvia barulho das águas a correrem e a multidão, cá fora, a cantar o Hino Nacional. E por acaso até nem desafinava. Depois, transportei Marcelo Caetano num carro blindado, a chaimite Bula, e testemunhei o ódio que ele viu nas pessoas que estavam á volta do Quartel. Creio que foi por isso que ele escreveu, nas suas memórias, que nem depois de morto queria regressar a Portugal.
P. – E os ministros?
S.M. – Também iam na Bula. Estavam convencidos que iam ser fuzilados.

E depois do Adeus

P. – Toda a gente sabe onde esteve no dia 25 de Abril. Onde estava no 28 de Setembro, no 11 de Março, no 25 de Novembro?
S.M. – Mantive sempre diálogo com todos os camaradas, mesmo no meio das maiores divisões. Quando vinha de Santarém a Lisboa, ora ficava no Regimento de Comandos, com o Jaime Neves, ora no Ralis, com o Dinis de Almeida. Pertenci ao grupo dos operacionais que ganhou corpo com aquilo a que se chamou o Grupo dos Nove, o núcleo que se manteve mais coeso desde o 25 de Abril. A seguir ao 11 de Março fui perseguido por determinado partido…
P. – Qual?
S.M. - … que me considerava contra-revolucionário e um perigoso anti-comunista. O “Diário de Notícias” chegou a escrever em título, na primeira página, que eu tinha fugido para parte incerta. E um dirigente de um outro partido propôs-se levar-me para França, porque eu estaria para ser preso. Já depois do 25 de Novembro, fui acusado de me opor ao esmagamento dos comunistas e voltei a receber um convite, de um outro partido, para me facilitar o exílio no estrangeiro.
P. – A chamada “sociedade civil” fazia um grande cerco aos militares?

S.M. – Ainda me dá gozo ouvir alguns políticos falarem da “sociedade civil”, quando eles próprios foram dos que mais namoraram os militares. Todos os partidos tentaram contar espingardas. Mas, desde 1976, todos os que procuraram apresentar-se como pais da revolução começaram a querer alijar a carga. E ao cabo destes 18 anos, em que julgo que estamos a atingir a maioridade, e que até já podemos ser acusados e presos por implicação no 25 de Abril, se não fosse o problema de saúde que me afecta, provavelmente o lugar para mim seria mesmo no exílio. 

Certamente que nem tudo foram rosas na Revolução dos Cravos. Mas pela pureza das intenções e pela coragem do jovem capitão, pela dignidade com que recusou os holofotes da revolução mediática, as benesses do novo regime e as estrelas do generalato, Salgueiro Maia merece continuar a ser a face da pureza do 25 de Abril. Por mim, como jornalista, não esqueço que foi também para que eu escrevesse, e escreva, livremente, que ele avançou das ruínas do Convento de S Francisco, em Santarém, para derrubar outras ruínas.

Entrevista para a agência CNTV,  em  Janeiro de 1992, publicada no jornal Público e transmitida na TSF. A entrevista foi gravada em casa do tenente-coronel Fernando José Salgueiro Maia, em Santarém, em duas tardes de Janeiro de 1992. 
Fernando José Salgueiro Maia morreu em 4 de Abril desse ano.

Texto João Paulo Guerra, fotos de Salgueiro Maia em 1992 da autoria de Luís Silva. 

4 comentários:

Anónimo disse...

Grande capitão. Que pena não haver mais como ele. E que vergonha para a cambada de oportunistas da classe política.

MGomes disse...

Excelente entrevista! Importante página da nossa História contemporânea na pureza das palavras do verdadeiro e genuíno protagonista do 25 Abril!

João Paulo Guerra disse...

Encontrará neste blogue outras páginas da nossa História contemporânea.

Bernardes Teixeira disse...

É e será sempre o espírito puro dos objectivos da Revolução, talvez o único. Os restantes com exceções Ramalho Eanes, Jaime Neves e poucos mais foram instrumentos de politiquices.