
Estou muito descontente com a rádio que estou a fazer, com a forma como a rádio está a ser feita, com tudo aquilo que me rodeia (...) Quero estar outra vez feliz na rádio
António Macedo
Entrevista editada em 15 de Outubro de 2016, data da homenagem a António Macedo, promovida pelo
1º Acto – Clube de Teatro
e Intervalo – Grupo de Teatro.
"A voz da rádio tem uma personalidade amiga e íntima, como a de um velho camarada de confiança"
Erskine Caldwell, Vagueando pela América, Editora Ulisseia 1963
"A rádio tem uma distinta personalidade humana, devida ao seu amigável e íntimo tu cá tu lá"
Caldwell, ob. cit.
"A voz da rádio tem uma personalidade amiga e íntima, como a de um velho camarada de confiança"
Erskine Caldwell, Vagueando pela América, Editora Ulisseia 1963
"A rádio tem uma distinta personalidade humana, devida ao seu amigável e íntimo tu cá tu lá"
Caldwell, ob. cit.
António José Macedo Monteiro de Oliveira.
Idade?
Sessenta a cinco anos. Sessenta e seis a 4 de
Sessenta a cinco anos. Sessenta e seis a 4 de
Novembro, sou de cinquenta.
Nascido
onde?
Lisboa, São Sebastião da Pedreira,
Maternidade Alfredo da Costa.
E
onde residiam os teus pais?
Consideras
Lisboa a tua terra?
Lisboa é a cidade de que eu mais gosto e a
minha terra é Lisboa. Mas tenho uma grande ligação, profunda, à Figueira da Foz
porque vivi lá quatro anos, entre 1965 e 1969. Fiz lá entre o terceiro e o
sexto ano do Liceu. Fiz lá muitos amigos e deixei lá, não direi muitas raízes
mas muitos troncos, alguns ramos e algumas folhas. Não posso dizer que gosto da
cidade mas gosto de muita gente de lá.
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Macedo na festa dos 50 anos, com Waldemar Bastos e Ricardo Sá Pinto |
Outras
terras da tua vida?
Évora, antes de ir para a Figueira. O meu
pai, na qualidade de técnico de engenharia, foi para Évora para a construção
das piscinas, em 1963, estivemos lá cerca de dois anos. O liceu era na actual
Universidade. Cheguei no início no segundo período e a primeira aula que tive
foi de desenho. A professora anunciou que havia um aluno novo, apresentei-me e
ela perguntou: Sabe como é que eu me
chamo? Não sabe? Então vá lá fora ver o meu nome. Eu saí, cá fora estavam
os nomes dos alunos e dos professores. A professora chamava-se Maria Alice
Valente Génio. Entrei na sala e disse: Já
vi o nome. E ela: O meu nome corresponde
inteiramente à pessoa: Valente Génio.
Fui ginasta do Lusitano de Évora.
Portanto,
há um momento na tua vida em que fizeste ginástica?
Confesso. Fiz ginástica. Não sou como o Winston Churchill que atribuía a sua longevidade à ginástica: porque nunca a tinha feito. Eu andava na ginástica com os irmãos Câmara Pereira, que eram conhecidos como Irmãos Marianos, porque faziam coisas fantásticas na ginástica, coisas de circo. E mantive sempre com o Nuno Câmara Pereira algo que vem da cumplicidade dos miúdos de 13 anos.
Confesso. Fiz ginástica. Não sou como o Winston Churchill que atribuía a sua longevidade à ginástica: porque nunca a tinha feito. Eu andava na ginástica com os irmãos Câmara Pereira, que eram conhecidos como Irmãos Marianos, porque faziam coisas fantásticas na ginástica, coisas de circo. E mantive sempre com o Nuno Câmara Pereira algo que vem da cumplicidade dos miúdos de 13 anos.
E quando
é que começaste a usar óculos?
Com dois anos e meio de idade. Se reparares
bem, tenho um lado da testa maior que o outro.
Nunca
reparei nem estou a reparar.
Se calhar hoje já não tenho. Mas os meus
pais observaram que eu chocava nas esquinas, por exemplo com o triciclo, e
devia ter alguma deficiência de visão. E levaram-me ao médico e verificou-se
que eu tinha uma inclinação, do lado esquerdo…
Exactamente, uma inclinação a qual nunca se
desfez.
E como é que os teus pais encararam essa tua
inclinação para a esquerda?
Bem, de forma assaz satisfatória, embora na altura não se pronunciassem sobre o assunto. Mas eu sempre percebi que era uma coisa que não os incomodava coisa nenhuma, antes pelo contrário, até de certa maneira os orgulhava.
Bem, de forma assaz satisfatória, embora na altura não se pronunciassem sobre o assunto. Mas eu sempre percebi que era uma coisa que não os incomodava coisa nenhuma, antes pelo contrário, até de certa maneira os orgulhava.
Então,
óculos a partir dos dois anos e meio. E com que idade abriste os olhos?
Eu nunca abri os olhos, continuo a ser um
bocado ingénuo, continuo a ser enganado, tenho a mania que sou muito esperto
mas não sou nada.
Recapitulemos
então a itinerância tua e da família.
Portanto foi assim: Lisboa, Évora, Figueira,
Lisboa; a que eu acrescento, por minha conta, Luanda, Lisboa.
Luanda
marcou-te?
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Luanda, Junho de 1974: António Macedo com Rui Pego e outros ié-iés |
E
foste para Luanda com a família, os teus pais foram para lá?
Fui sozinho, passar umas férias, a convite
de uns tios meus que lá estavam na altura. Eu tinha entrado para a Faculdade de
Direito. Mas houve ali um problema no início do ano lectivo, eu fiquei sem
fazer nenhum. As aulas só iriam começar em Novembro e os meus tios que estavam
em Luanda, que já muitas vezes me tinham convidado para lá ir, voltaram a
convidar-me. Eu fui e depois fui-me deixando ficar. Só voltei em Junho de 1975. Não cheguei à Independência.
Porque
começaste a trabalhar?
Eu aqui já tinha tido umas vagas
colaborações na Rádio Universidade, nomeadamente com o Paulo Morais, o Electrónico Morais, tudo muito vago,
muito inconsistente, fiz até estágio para relatos de futebol. Mas em Luanda
houve um tipo da rádio, o António Taklin, que adoeceu e convidaram-me para
tentar substitui-lo. E eu fui e a partir dali não houve mais parança.
Mas
isso era frequente em Luanda?
Não é ser arrogante mas não era qualquer um
que ficava.
Tens
amigos dos tempos da escola?
Tenho. Amigos de sempre, quero dizer, amigos
que se nos encontramos hoje é como se tivesse sido há 10, 20 ou 30 anos. Tenho
alguns amigos do peito, com alguns dos quais mantenho contacto regular, há
outros com quem perdi contactos, mas sei que eles estão ali, eles também sabem
que eu estou aqui. Há um, que eu não posso citar, não direi o nome, mas que é das
pessoas mais extraordinárias que eu conheço, porque é um ouvinte compulsivo de
rádio. Ele não faz outra coisa que é exercer a profissão dele, muitas vezes
fora do país, e para além de trabalhar – é engenheiro na área dos petróleos,
com sucesso, com êxito - a única coisa que ele faz é ouvir rádio, até mesmo
enquanto trabalha. E conhece a rádio, as pessoas da rádio, a vida das pessoas
da rádio, de camaradas meus, os programas da rádio, melhor do que eu.
Conhece-te a ti em termos profissionais melhor do que eu. Tenho a certeza que
ele sabe tanto de ti na rádio como tu.
E
são amigos desde…
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Ao canto da Alameda da Universidade na esquina com o Campo Grande, foi o Lar dos Pequeninos |
Desde o Colégio Lar dos Pequeninos, em
Lisboa. Ele jogava futebol muito bem, é sportinguista, foi das pessoas que me
levou a ser do Sporting, ele e o meu pai com quem eu ia ver jogos do Sporting.
Mas isso do meu pai não significa coisa nenhuma, haja em vista o que se passa
com o meu filho… Mas ele era muito habilidoso a jogar e tinha princípios. Era
rebelde, questionava, punha em causa uma data de coisas mas era educado. Eu
via-o como um ídolo, um tipo que punha tudo em causa e no entanto estava no
quadro de honra. Ele defendia, como um princípio, que nunca se podia fazer
batota, temos que ser sempre rectos, rigorosos e justos. É um tipo de esquerda.
E é um ouvinte de rádio da manhã à noite. E conhece tudo e toda a gente da
rádio, os nomes do técnicos, tudo. Falamos praticamente todas as semanas, ele é
muito crítico, ajuda-me muito.
O Lar dos Pequeninos ainda existe. Ou
melhor, o edifício ainda lá está, no espaço do Horto do Campo Grande. Aquilo
era para ser demolido para construção da Cidade Universitária. Mas ficou e
ainda lá está.
E
para além do Lar dos Pequeninos, que outros estabelecimentos frequentaste?
Liceu Pedro Nunes, por duas vezes, Liceu na
Figueira da Foz…
Sim, paredes meias com o Parque Mayer. E eu
tinha um tio que era agente artístico.
A memória do Parque Mayer apaga-se nas paredes |
Tio
por que via?
Irmão do meu pai.
Irmão do meu pai.
O
teu pai quem era?
João
Marques de Oliveira, técnico de engenharia e
para-agente
artístico.
E
o que fazia o teu pai como para-agente artístico?
Agenciava
artistas. Ballets espanhóis para o Parque Mayer.
Ah! Ballets! Ballets e bailarinas?
Sim
nos ballets havia bailarinas. Que vinham para o Parque
Mayer
e para os cabarés, o Maxime, o Fontória, o Nina, que eu conheci catraio, pela
mão do meu tio.
pequenino?
Desde
pequenino. No 4º esquerdo vivia o meu pai; no 4º
direito, o meu tio; e ao meio o escritório, sala de
reuniões dos agentes, com os artistas, etc.
E as
bailarinas espanholas que influência tiveram na tua pessoa?
Daí vem talvez a expressão que eu costumo
usar: eu de cara sou assim mas de corpo sou uma espanhola.
E a
tua mãe como encarava essas reuniões com bailarinas espanholas?
A minha mãe dava explicações de francês às
espanholas.
Como
se chamava a tua mãe?
Maria Odete Macedo Monteiro, natural de
Freixo de Espada à Cinta, estudou Letras, românicas, mas não acabou o curso por
causa do casamento.
E
como é que o teu pai, de Lisboa, conheceu a tua mãe, de Freixo de Espada à
Cinta?
Não sei porque eu ainda não era nascido. Mas
penso que se cruzaram no Porto. Aliás a minha mãe era portista, adepta do
Futebol Clube do Porto. Vê lá tu! O meu pai é que era sportinguista.
Tiveste
irmãos?
Não. A minha mãe teve alguns problemas de
gravidez até que nasci eu.
Eram do Parque Mayer. A varanda das
traseiras da minha casa dava directamente para o Parque Mayer. As luzes, o som,
e feeria. Tudo, a revista, o boxe, as barracas dos tiros, os restaurantes,
aquilo que era o Parque Mayer, a vida, a alma de Lisboa provinciana daquele
tempo. Vinham excursões da província.
Então: fui para o Lar dos Pequeninos com 4
anos, em 1960 fui para o Pedro Nunes, em 1971 fiz a admissão para a Faculdade
de Direito.
Foste
da Mocidade Portuguesa?
Fui, fui da Mocidade Portuguesa, devo dizer
que não tenho honra nenhuma nisso, não tive nenhum orgulho quando fui comprar a
farda ao Palácio da Independência…
Era
obrigatório e ainda ganhavam dinheiro com a farda?
Exactamente. Camisa verde, calções de caqui
castanho, meias pelo joelho e o bivaque, o
benzovaque. E eu ainda fui arvorado a comandante de Castelo. E ainda
participei num 1º de Dezembro nos Restauradores. Chumbava-se o ano lectivo por
faltas á Mocidade! Só podíamos dar três faltas por ano à Mocidade. Era
obrigatório.
E
quando e onde é que o bichinho da rádio te mordeu ou te picou?

Alguma
vez fizeste relatos de futebol?
Sim, sim.
Também
fizeste relatos de boxe?
Não, foi de wrestling, na televisão. Mas de
futebol fiz muitos. Em Angola fiz relatos de futebol, hóquei, basquetebol.
E
tentar respirar. É das técnicas mais difíceis em rádio. Por isso é que são
poucos os bons relatores. O bom relator tem que acompanhar os pormenores da
jogada e dar a perceber onde é que e jogada se está a desenrolar. Quem é que
tem a bola; quem está a atacar e quem está a defender; onde é que isto está a
acontecer dentro do relvado, muito longe ou muito perto da baliza.
Bons
relatores:
David Borges, o melhor de todos. Espectáculo
de rádio, o Jorge Perestrelo. O equilíbrio entre o espectáculo e o relato,
Fernando Correia e Carlos Cruz. O mais rigoroso a relatar, David Borges.
E
na actualidade?
Os mais equilibrados são o Alexandre Afonso
e o Fernando Eurico.
És
contra o espectáculo nos relatos da bola?
Não, tem que haver algum espectáculo. Mas
convém perceber se a bola entrou na baliza ou não.
Quais
foram para ti os teus Dias da Rádio?
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1988: com Júlio Pereira, Viriato Teles, Pedro Rolo Duarte, João Gobern e Fernando Tordo |
Os
da TSF, do início da TSF.
Do
início até quando?
Até
sempre.
E
o bichinho da rádio leva-te simplesmente a ouvir ou a
quereres entrar dentro do
aparelho?
A querer entrar para dentro do aparelho.
Qual
era o aparelho, quando eras miúdo, na tua casa?
Era um Philips, castanho, enorme, de
válvulas, com aquela luzinha verde da sintonia, onda curta e onda média, também
tinha FM mas nós não sabíamos que existia o FM. Isso descobri eu só em 1964,
quando o Rádio Clube Português começou a anunciar: Quer ouvir-nos em melhores condições? Carregue na tecla UKW. Eu
carreguei na tecla e era um som espectacular, com outro corpo!
Qual
foi até agora o teu grande parceiro na rádio?
(grande hesitação….) Eu tive um grande
parceiro, que não é uma figura da rádio, que foi o Ricardo Camacho, músico e
médico, fundador da Sétima Legião e grande especialista em doenças
infecto-contagiosas. O Ricardo foi meu parceiro num programa que eu fiz na
Rádio Comercial, no meu regresso á rádio, um programa denominado Mão na Música. O Ricardo sabe muito de
música, tem enorme bom senso e é uma bela
caneta. Esse foi um grande parceiro, há músicos portugueses que ainda me
falam nesse programa. Mão na Música,
título do José Nuno Martins. Outro tipo de parceiro foi o Luís Paixão Martins,
com quem me entendia muito bem, uma certa cumplicidade. E depois, o Chico Sena
Santos. O Chico foi um caso à parte mas toda a TSF foi um caso à parte.
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Com Francisco Sena Santos, emissão no Majestic, Porto |
Mas
com o Sena também trabalhaste na Antena 1.
Mas na Antena 1 foi uma repetição. Não
tentes voltar a ser feliz onde já foste. É como regressar a um casamento velho.
Não sei como isso é.
Outros
parceiros?
O António Cartaxo.
O Viriato Teles. E há os parceiros da técnica, de quem nunca se
fala. O último com quem eu tive uma cumplicidade enorme, que sabia exactamente
o que é que eu queria, que chegava a ficar a montar enquanto eu fazia a emissão
para me poupar a mim o tempo de estúdio, foi o António Antunes. Eu mandava-lhe
os textos, com entradas e saídas, as coisas que nós sabemos, os temas musicais,
daqui e até ali, aquilo era para começarmos a fazer depois da emissão da manhã.
E eu saía do estúdio e estava tudo montado e exactamente como eu tinha
imaginado. Como também o Carlos Felgueiras, o João Carrasco e todos, mas todos,
os técnicos de exteriores da Antena 1. Mas tive muitos outros parceiros, em
Angola, o José Maria Pinto de Almeida, o Artur Neves, o José Gabriel, o João
Canedo. E depois houve os sonorizadores da TSF que hoje fazem parte da
linguagem da rádio. Uma linguagem que agora está muito atenuada, por vezes já
não existe.
Mas existem muitos jornalistas a fazer esse trabalho, muito bem feito, por exemplo o Frederico Moreno, um jovem jornalista da Antena 1 que não faz nada sem sonorização e muito bem. Não sei se ele alguma vez o aprendeu; mas a verdade é que ele tem a noção certa do que faz e faz muito bem. A Raquel Mourão Lopes também. É uma rapaziada nova.
4 de Novembro de 2015: Surpresa! Parabéns em directo |
Mas existem muitos jornalistas a fazer esse trabalho, muito bem feito, por exemplo o Frederico Moreno, um jovem jornalista da Antena 1 que não faz nada sem sonorização e muito bem. Não sei se ele alguma vez o aprendeu; mas a verdade é que ele tem a noção certa do que faz e faz muito bem. A Raquel Mourão Lopes também. É uma rapaziada nova.
Há
gente nova que nos garante que os dias da rádio continuam?
Há. Isto afinal continua. Isto afinal tem
uma linguagem própria, tem uma existência própria.
Gente
que sustenta a paixão da rádio. Não sei se isto foi só um slogan, se existe
mesmo. Tens a paixão da rádio?
Tenho.
Não trabalhaste só na rádio?
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Em Liverpool, à porta da casa de George Harrison |
Tu
tens para aí quantos amigos?
Bem,
só no Facebook tens mais de 3500 amigos…
Quero dizer, há pessoas em quem confio,
tenho pessoas de quem gosto muito, pessoas que me tratam muito bem.
Mas amigos, amigos, temos o quê? Dez? Pessoas a quem contamos as coisas que não contamos aos outros… Eu quando digo que tenho cinco amigos quero valorizar os amigos que tenho. Tenho muitos amigos… Mas digo que tenho cinco, dez.
Mas amigos, amigos, temos o quê? Dez? Pessoas a quem contamos as coisas que não contamos aos outros… Eu quando digo que tenho cinco amigos quero valorizar os amigos que tenho. Tenho muitos amigos… Mas digo que tenho cinco, dez.
Oferta dos amigos nos 60 anos do António: 60 diferentes garrafas e latas de diferentes marcas de cerveja |
E
inimigos?
É preciso um tipo ser muito importante para
ter inimigos. Inimigos, acho que não tenho. Mas tenho adversários e tenho
pessoas que não gostam de mim e de quem não gosto. Isso, tenho alguns de
estimação. Olha um, por exemplo, é o Paco Bandeira, com quem tive agora uma
nova polémica, absolutamente abaixo de cão.
Para
além do Paco Bandeira há mais alguém com quem não te sentes à mesa?
Há. Armando Vara, Jorge Coelho, Durão
Barroso, Passos Coelho, Miguel Relvas, gente da política que pôs isto tudo de
pantanas.
E
alguém desse meio que tu estimes?
Manuel Alegre.
Desde logo intelectual. É um poeta
extraordinário. O meu primeiro gesto deliberadamente antifascista foi comprar e
ler a Praça da Canção. Tinha 14 ou 15
anos. E ele ficou sempre para mim como um símbolo de uma das coisas que eu mais
prezo que é a LIBERDADE. Assim, LIBERDADE, tudo em caixa alta, corpo
78. E outra palavra de que eu gosto muito que é a palavra Pátria, que foi completamente aviltada, que perdeu completamente o
sentido, e o Alegre regenerou a palavra Pátria. Depois há muitas outras pessoas
por quem tenho muito respeito. Por exemplo: tenho muito respeito pelo Bagão Félix.
Apesar de ser do Benfica.
Não
dizes… apesar de ser do CDS?
Ele nem sequer é filiado no CDS mas é um
homem de direita. Nunca o escondeu. Mas é um homem que está convictamente
seguro de que as ideias dele são as melhores para as pessoas. E defende isso,
argumentando muito bem.
António e Luísa no 1º de Maio de 2015 |
Tu
conheceste os Antónios Macedos das músicas, do
Canta amigo canta, o do cinema e o da pintura?
O da pintura não conheço.
E o
da política?
Era meu tio-avô. Era irmão da minha avó
materna. Mas houve um corte na família por causa de heranças.
Ele
foi fundador do PS. Heranças ideológicas ou do carrapito?
Do carrapito.
Questão de partilhas. Houve um corte familiar profundo. Não o conheci
propriamente. Dirigi-lhe uma vez a palavra, num restaurante no Bairro Alto, o
Alfaia, pouco tempo depois do 25 de Abril. Sem lhe falar na ligação familiar,
manifestei-lhe o respeito que tinha por ele, pelo seu papel muito respeitável
na luta pela Liberdade. Mas não lhe falei no facto de ser sobrinho-neto dele,
estou-me borrifando para a questão das partilhas.
Tu
foste casado duas vezes. Não há amor como o primeiro ou não há amor como o
último?
Ficaste amigo da mãe do teu filho mais velho?
Fiquei, claro. Aliás,
separámo-nos precisamente para podermos ficar amigos.
Lembras-te da tua primeira namorada?
Da primeira, a sério,
lembro-me perfeitamente. E ela também. Chamava-se Eduarda.
Que idade tinhas?
Eu tinha dos 16 para os 17 anos. Ela também.
Foste namoradeiro? Atiradiço? Mulherengo? Engatatão? Ou “elas” é que
não te deixavam sossegado?
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Luísa e António |
![]() |
Rita com mãe e pai |
A Luísa tem sido uma grande
mulher. Eu estou muito longe de ser um grande homem embora, por vezes, me
esforce um bocadinho nesse sentido...
A Luísa tem sido isso
tudo, além de presidente do Conselho Fiscal. Apesar de algumas tormentas (ou,
se calhar, por causa delas...), tem sido o meu Porto de Abrigo.
A Rita vai ser uma grande
mulher, apesar de razoavelmente frágil; o que é compensado por uma enorme
determinação e por uma pertinácia (Alves dos Santos dixit...) que eu gostava bastante de ser capaz de secundar.
Rita, os pais, as fitas e o Tejo |
São, são.
E tu és o melhor pai do mundo?
Não.
Os teus filhos, Gonçalo e Rita, são teus ouvintes? Criticaram-te alguma
vez?
António, Joana e Leonor |
Contas histórias à Leonor e à Joana, as tuas netas? Ou são elas que te
contam histórias a ti?
Filhos e netas |
As tuas netas sabem que tu vives grande parte da tua vida dentro de uma
telefonia? Vêem alguma magia nisso?
Leonor e Joana com o avô, dentro da Telefonia |
Sabem sim, dentro de
uma telefonia que está dentro do carro. E gostam de me ouvir - mas gostam mais
de ouvir a Comercial, caraças!... Para a mais velha,
aquilo era um bocado misterioso - mas já deixou de ser; a mais nova, a Joana,
tenho a impressão que sempre encarou o assunto como o mais natural de mundo.
Também - provavelmente... - porque assim que se proporcionou as levei à Rádio e
as deixei "brincar" no estúdio com microfones, potenciómetros,
computadores... E de auscultadores encravados nos respectivos terminais
auditivos!
O
facto de o teu filho, Gonçalo, a tua filha, Rita, as tuas netas, Leonor e
Joana, filhas do Gonçalo e da Mané, a tua mulher, Luísa, serem todos e todas adeptas
e adeptos do Benfica é um desgosto na tua vida?
Gonçalo e António a cores |
O Sporting já te deu mais alegrias ou mais tristezas?
![]() |
Macedo com Vítor Damas |
E
como é que se pode dar apoio a pessoas tão diferentes como Dias da Cunha e
Bruno de Carvalho, um ex e o actual presidente do Sporting? São comparáveis?
Não são. Aliás o Dias da Cunha nunca apoiou
o Bruno de Carvalho. Nunca percebi porquê. O Dr. Dias da Cunha era um
presidente da aristocracia do Sporting.
Foi um presidente legítimo e que
dirigiu muito bem o Sporting. E só saiu do Sporting quando viu que não tinha
possibilidade de o dirigir bem. O Bruno de Carvalho não é da chamada
aristocracia leonina. E portanto nesse sentido é completamente diferente. Só
que as circunstâncias em que cada um foi presidente são completamente
diferentes. Enquanto o Dr. Dias da Cunha teve que travar aquilo que vinha do
Dr. José Roquete, o Bruno de Carvalho apanhou o Sporting completamente ocupado
e teve que fazer à força, embora legitimamente e eleitoralmente,
a reocupação do Sporting pelos sportinguistas.
António:
e à mesa, como nós estamos - tu a comeres uns filetes de peixe-galo, eu a
deitar abaixo umas petingas fritas – como és tu? Tens boa boca ou és de embirrações?
Uma das minhas maiores embirrações do momento - ou mesmo de há uns quatro ou cinco anos para cá - é este novo modismo dos chamados "chefs". Os "chefs" são os estilistas (os criadores... criadores? Criadores são os figurinistas do Teatro, esses é que são criadores!) deste início de século. As duas últimas décadas do século XX foram as dos estilistas; as duas primeiras do XXI são as dos "chefs". Uma praga a necessitar de purga. Pior que baratas na cozinha e olha que a cozinha que eles praticam não é nada barata! Estão por todo o lado, mas, vá lá vá lá, a Rádio escapou-lhes. Até são editorialistas nos jornais. Aliás, eles fazem pratos que são verdadeiros tratados do melhor linguajar em línguas diversas. O que aparece na mesa, porém, é apenas um mostruário... Deve ser para proteger a Saúde...
![]() |
António Macedo e Diego Armando Maradona |
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António e Luísa no VilaLisa, Mexilhoeira Grande |
Uma das minhas maiores embirrações do momento - ou mesmo de há uns quatro ou cinco anos para cá - é este novo modismo dos chamados "chefs". Os "chefs" são os estilistas (os criadores... criadores? Criadores são os figurinistas do Teatro, esses é que são criadores!) deste início de século. As duas últimas décadas do século XX foram as dos estilistas; as duas primeiras do XXI são as dos "chefs". Uma praga a necessitar de purga. Pior que baratas na cozinha e olha que a cozinha que eles praticam não é nada barata! Estão por todo o lado, mas, vá lá vá lá, a Rádio escapou-lhes. Até são editorialistas nos jornais. Aliás, eles fazem pratos que são verdadeiros tratados do melhor linguajar em línguas diversas. O que aparece na mesa, porém, é apenas um mostruário... Deve ser para proteger a Saúde...
O que eu gostava era de os ver
cozinhar umas favas como tu ou umas iscas como a Luísa; ou uma sopinha da Mãe.
Isso é que eu gostava.
Mas, sabes João, às vezes até tenho medo
dos meus pensamentos. Não sou muito dado a "teorias da conspiração",
mas sempre que os vejo ou que os leio, lembro-me de uma coisada que li aqui há
uns anos (2007, 2008, por aí), à beira da crise, portanto. Não me lembro onde,
mas era qualquer coisa que alertava para a forma como a Comunicação iria ser
condicionada e como nos condicionaria a nós.
Um dos últimos aspectos para os
quais deveríamos estar particularmente atentos era, precisamente, para a
proliferação desta treta dos cozinheiros e, nomeadamente, para o domínio da
Gastronomia e das "novidades" que poderia apresentar em pratos e em
"espaços", editada ad nauseum
em muitas publicações generalistas. Não é por nada, mas por acaso já reparaste
no conteúdo de publicações como a GPS (que sai com a Sábado) ou como a Evasões (que
sai com o DN e com o JN)? E isto sou eu que nem acredito em bruxas....
Favas do Guerra para os Macedos |
Ouço muita música, fundamentalmente em
CD mas recorro por vezes ao vinil.
E
comparas o CD e o vinil?
Comparo. Em muitos casos prefiro o som do
vinil. Mas noutros não. Acho que na
música clássica, apesar de ser mais frio, o
som do CD é melhor. No rock é indiferente. Mas na música de texto e no jazz,
sobretudo no jazz, não há como o vinil.
![]() |
Macedo com Leonard Cohen |
A
música também fez sempre parte da tua vida?
Sempre.
E
qual foi a grande emoção da tua vida a ouvir música?
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Chico Buarque, António Macedo e Viriato Teles |
Mais concertos memoráveis?
O dos Rolling Stones em Madrid, Julho de
1982, debaixo de chuva permanente. Ninguém parou, ninguém se desviou um
momento, no estádio do Atlético de Madrid, completamente a deitar por fora. Foi
no primeiro de dois dias de concertos. E no final, eu estava a escrever para a
revista Mais e liguei para o Carlos
Cruz, disse-lhe o que tinha acontecido e ele decidiu ali, na hora: Com uma chuva assim a escorrer pelos teus
óculos não deves ter visto nada. Fica para o concerto de amanhã. E eu
fiquei. E vi os Rolling Stones em dois dias consecutivos. Concerto fantástico. E
o concerto do Pete Seeger em Lisboa também foi fantástico.
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Macedo na comissão promotora do espectáculo de Pete Seeger em Lisboa, 1983. Na sala do restaurante A Bicaense, entre outros, pode ver-se José Afonso. |
O
que é que não fizeste e gostavas de ter feito?
Uma volta a Portugal em bicicleta. E também
gostava muito de ter escrito no jornal A
Bola dos bons velhos tempos. Os tempos do Carlos Pinhão, Aurélio Márcio,
Alfredo Farinha, Cruz dos Santos, Carlos Miranda. Foi com eles que eu aprendi a
ler. Eu aprendi a ler n’A Bola. O meu
pai era comprador de A Bola, de O Século e do Diário de Lisboa. E eu lia os jornais mas lia sobretudo A Bola, três dias por semana, às
segundas, quintas e sábados, lia os textos do Vítor Santos que eram de um gajo
perder a respiração, artigos muito bem escritos, não sei se é lenda se é
verdade que A Bola chegou a ganhar um
prémio de jornal melhor escrito da Europa. E todos escreviam de forma
diferentes, o jornal não era padronizado; cada um tinha o seu estilo mas todos
escreviam muito bem. Era um prazer e um gajo aprendia coisas a ler A Bola. Gostava de ter escrito, nos
tempos subsequentes àquela geração. Um dia disse isto em público e o Carlos
Pinhão mandou-me um recado: é quando
quiseres. Mas aquilo é o que se diz a um amigo.
Macedo, Viriato Teles e António Antunes |
Bem, vivo estou. Lenda, tenho alguma
dificuldade. O que se passa é que eu estou há muitos anos na antena, sempre no
directo, com a panela ao lume, e daqui a 50 anos, quando se escrever a história
da rádio em Portugal eu estarei entre os 100 que fizeram a rádio. E isso
orgulha-me muito. Estar a par do Artur Agostinho, do D. João da Câmara, do
Pedro Moutinho, da Maria Leonor. Mas hoje é tudo mais fácil. Um gajo só não faz
as coisas bem se for muito calão ou muito incompetente. Agora, o que há é muita
coisa que está previamente feita e que está mal feita, que tens que emendar.
Mas tens tempo para o fazer.
![]() |
António Macedo no ar |
Fico sensibilizado. Mas não é verdade. As
pessoas habituam-se. A rádio demora a consolidar-se. Criou-se alguma
habituação. Há pessoas consideradas insubstituíveis que saem e no dia seguinte
já ninguém se lembra delas.
Como
é que tu organizas o teu tempo?
Preparação do meu trabalho. Perco muito
tempo na Internet e ler e-mails. Depois a prioridade é para a leitura.
E
vais ouvindo rádio?
Sempre.
E
então?
(pausa…) Agora é que tu me lixaste. Aprecio
algumas pessoas, aprecio alguns trabalhos. Mas hoje falta muitas vezes uma
linguagem à rádio. Aquilo parece-me muitas vezes feito por inputs. Muito informático.
Muito padronizado. Quase toda a gente diz quase a mesma coisa quase à mesma
hora, em todas as estações de rádio.
Tu,
que vens do tempo da fita de arrasto, dás-te bem com as tecnologias?
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Armando Carvalheda, António Macedo e Júlio Pereira |
Tu
admites, encaras a hipótese de encostar às boxes, parar, reformar-te?
Admito. Admito reformar-me. Parar não.
E
não parando vais fazer o quê?
Eu tenho muito para ler. Tu sabes muito
bem como é. Temos dezenas de livros em casa que nunca conseguimos ler. Ler os que não
lemos e reler outros.
Estás
a ler ou a reler o quê?
Camilo. O Expresso publicou uma data de obras do Camilo e eu li-as todas. Mas
ficou-me a faltar um livro que o Expresso
não publicou e que eu quero voltar a ler: A
Corja.
No
século XIX, Camilo é o maior?
Não. É o Eça. Eu prefiro o Eça. O Eça tem a
escrita mais luminosa da literatura portuguesa.
Leio o Gonçalo M. Tavares, João Tordo, José
Luís Peixoto, a Ana Margarida Carvalho…
E
tu podes viver sem a rádio?
Não.
Então
não vais ficar só a ler e a reler livros?
Há anos que o Júlio Pereira me anda a falar
na ideia de fazer uma rádio na Internet.
Então
o que se seguirá na tua vida é uma espécie de rádio pirata na Internet?
Macedo em estúdio com o pianista Júlio Resende |
Macedo em estúdio com o fadista Ricardo Ribeiro |
O meu amigo Júlio Pereira diz que me ensina tudo o que é necessário para fazer uma rádio com o meu nome na Internet. Gravo, regravo, ponho música, e há um ou dois horários por dia em que estou eu, com o meu nome: Eu, António Macedo, em directo na rádio.
Entrevistado por João Paulo Guerra.
Entrevista editada em 15 de Outubro de 2016
Entrevista editada em 15 de Outubro de 2016
O pianista Júlio Resende e o fadista Ricardo Ribeiro actuam na homenagem a António Macedo
4 comentários:
magnifico! vale a pena guardar para ler e reler! obrigado.
ótimo! venha de lá essa rádio pirata na Internet, ouvintes não faltarão. E não só gente mais velha, eu e amigos meus na casa dos 30 adoramos ouvir o António
Olá António,um grande abraço (pode ser do tamanho e da distância que medeia entre Luanda e Lisboa - bons, esses tempos).
Ao João, um igual abraço e agradecimento por esta página.
Viva,sou um amante e entusiasta da rádio,vários anos da minha vida foram gastos para contribuir para o aparecimento de outras formas de fazer rádio e desbloquear o éter...Já ouço o António Macedo há muito tempo... e pessoalmente só estive perto dele quando dispensou os meus serviços na extinta Rádio Mais...não só por isso, mas por mais outras, deu para perceber que é uma pessoa muito ambiciosa, virtude essa que eu não tenho, mas afinal porque estou eu aqui? Apenas para lhe pedir que gaste algum do seu precioso tempo a escutar-se a si próprio,nas gravações contínuas das emissões matinais da antena1,faz-nos bem por vezes este tipo de exercício,gosto de si,como pessoa,mas não tanto como locutor,se me detenho na antena1,é bem mais por causa da ausência de publicidade ,da música e da maneira como os restantes colegas exercem a leitura das notícias,mas logo que surge o António, com o devido respeito sou honesto em dizer-lhe,que até parece inebriado,com a vós titubeante e as pausas mal feitas,dá-me vontade de procurar outra sintonia,por vezes faço-o...
Espero que não me leve a mal este meu comentário sentido e honesto,mas convenhamos que independentemente do seu valor como jornalista/animador,terá que rever o posicionamento da sua voz,faça-se menos importante e seja mais natural.Será que esta sua postura terá que ver com estas suas palavras? " Eu estou muito descontente com a rádio que estou a fazer, estou muito descontente com a forma como a rádio está a ser feita, estou muito desconfortável com tudo aquilo que me rodeia. E portanto, a minha intenção é, assim que puder, mostrar nem que seja a cinco pessoas, nem que seja só na Internet, aquilo que eu gostava que fosse feito."
Bem haja,José Farinha
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