A rede
clandestina montada no seio da NATO e financiada pela CIA, a Gládio, cuja existência foi denunciada no Parlamento italiano por Giullio Andreotti, teve um ramo
activo em Portugal nos anos 60 e 70. Desse ramo fazia parte a Aginter Press. Associada à PIDE e à Legião a "agência" esteve ligada ao
assassínio de Eduardo Mondlane e, possivelmente, ao de Humberto Delgado.
Um antigo chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas
disse a “O Jornal” que qualquer ramificação da rede “Gládio”, a ter operado em
Portugal o fez à margem da orgânica e da linha de comando das estruturas
militares da NATO. O mesmo oficial admitiu, no entanto, que existiram e
operaram em Portugal e nas colónias estruturas de informações e de operações
paralelas, cujo financiamento e comando escapava às Forças Armadas, mas
dependia dos ministérios da Defesa, do Ultramar e do Interior e mantinha
ligações directas com a PIDE e a Legião Portuguesa.
Tal era o caso dos serviços de operações e de informações
comandados por Jorge Jardim, um grande empresário radicado em Moçambique que
também se dedicou a actividades de espionagem. Segundo a mesma fonte, tais
serviços eram financiados secretamente pelos ministérios da Defesa e do
Ultramar, com fundos orçamentais de origem desconhecida. Tais fundos eram
utilizados por Jorge Jardim em operações realizadas em Portugal, Moçambique e outros
países, sem qualquer controlo ou enquadramento da cadeia de comando militar.
Com tais fundos, Jardim montou em Moçambique uma estrutura
de informações e milícias operacionais e financiou dispendiosas operações de propaganda.
Foi o caso da deslocação a Moçambique de um propagandista francês, Dominique de
Roux, que nos termos da visita publicou um livro intitulado “Ne traversez pas
le Zambeze”.
De Roux, de nacionalidade francesa, trabalhava para os
serviços secretos italianos e participara na fundação e direcção de organizações
clandestinas de extrema-direita. Em Itália foram referenciadas as suas ligações
com Guido Giannetti, acusado de envolvimento num atentado terrorista cometido
em Milão, em Maio de 1973, e com a organização extremista “Rosa dos Ventos”,
que veio a público como uma das malhas da rede Gládio.

Em relação a Portugal, de Roux mantinha relações particulares, para além de Jardim, com o
agente secreto francês que fazia de oficial de ligação com a PIDE, Pierre la
Gaillarde, com Yves-Guerin Sérac, antigo oficial da OAS que dirigia em Lisboa a Aginter Press, com Pierre Leroussel, redactor da Aginter e do programa “A
Voz do Ocidente”, da então Emissora Nacional.
“A Voz do Ocidente”
Militares
e civis que participaram na extinção da PIDE e da Legião Portuguesa disseram a “O
Jornal” que a Aginter Press era «um centro de relações e de operações
internacionais de extrema-direita” que operava em Lisboa sob a capa de agência
de notícias. A agência criou em Lisboa o embrião de uma associação política denominada
“Ordem e Tradição” e era o principal fornecedor de textos de propaganda para o programa
“A Voz do Ocidente”, da EN. Mantinha também relações funcionais com a RARET, um
retransmissor dedicado à difusão de propaganda para o Leste europeu.

Rua das Praças, sede da Aginter |
O “Agente
X”
O
cerco a Humberto Delgado, que veio a culminar com o seu assassínio em Fevereiro
de 1965, foi montado pela PIDE com recurso a agentes e meios estabelecidos no
estrangeiro, particularmente na cidade de Roma. Tudo começou em 17 de Julho de
1962 com uma carta datada de Roma e dirigida ao ministro do Interior
denunciando os propósitos do general para uma acção revolucionária em Portugal.
Segundo antigos membros da Comissão de Extinção da PIDE que estudaram os
dossiers da “Operação Outono”, a carta foi escrita por Ernesto Maria Bisogno,
um médico italiano que tinha travado conhecimento com Delgado na capital italiana.
O Ministério português do Interior acionou as suas ligações em Roma para averiguar
da veracidade da denúncia e tirar partido da relação entre Bisogno e Delgado.
![]() |
Sepultura do corpo de Delgado |
Pela
análise dos dossiers, investigadores da Comissão de Extinção concluíram que o “Agente
X” era estrangeiro, provavelmente italiano, viajava com frequência entre Roma,
Paris, Madrid e Lisboa, estava relacionado com diversos serviços secretos e com
meios políticos de extrema-direita, tinha montado e financiava em Itália uma
verdadeira rede de espionagem e de diversão política, conhecia a realidade
política portuguesa, tinha contactos de alto nível em Lisboa e exercia
influência junto da RARET e de meios da rádio do Estado.
Alguns
investigadores contactados por “O Jornal” consideraram que o perfil do “Agente
X” correspondia aos dos operacionais da “Aginter Press”, o que foi sustentado pelo
único lapso que o “Agente” cometeu quanto ao encobrimento da sua verdadeira
identidade: num dos relatórios, acrescentou à assinatura “Agente X” a
referência “Voz do Ocidente”, designação do programa de propaganda que a “Aginter”
mantinha na Emissora Nacional.
As
notícias do final dos anos 80 sobre a rede “Gládio”, desencadeadas pela denúncia de Giullio
Andreotti no Parlamento italiano, o facto de existir uma malha comum, a
organização “Rosa dos Ventos”, entre a rede montada clandestinamente no seio da
NATO a partir de Itália e a “Aginter Press”, que funcionou em Portugal, fez soar
de novo as campainhas.
João Paulo Guerra, semanário O
Jornal, 16 de Novembro de 1990.
Este artigo teve desenvolvimento nos
seguintes:
«Gládio em Portugal tinha punho
italiano», 7.12.90;
«Nuno Álvares deu nome à Gládio»,
4.01.1991;
«Legião trabalhava na rede», 15.02.91;
«Gládio: Uma lança em África»,
19.04.91.
As reportagens em O Jornal, entre Novembro
de 1990 e Abril de 1991, identificaram alguns dos ramos e agentes da “Gládio”
em Portugal, particularmente a Aginter Press, fundada e operada pelo grupo do
ex-capitão e desertor francês Yves Guillou, aliás Guérin Sérac, a possível ligação
da Aginter aos assassínios do general Humberto Delgado e de Eduardo Mondlane e a outras conspirações, atentados e redes
terroristas internacionais, nomeadamente ao terrorismo da "Estratégia da Tensão" em Itália e também em outros
países da Europa e África.

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