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sábado, 11 de julho de 2015

O Camarada chega amanhã


No dia 29 de Abril de 1974, na Cooperativa Esteiros, que sucedera em Lisboa à Cooperativa Devir, encerrada por decreto do Marcelismo, travei conhecimento com António Dias Lourenço, histórico dirigente do PCP, protagonista da mais audaciosa fuga das cadeias do regime fascista, ao atirar-se da muralha do Forte de Peniche para o mar, em plena noite, em 3 de Janeiro de 1960. Em 26 de Abril de 1974, Dias Lourenço foi libertado da prisão hospital de Caxias. Conversámos sobre os fantásticos acontecimentos que estávamos a viver e eu fiquei espantado como é que um homem que passara os últimos doze anos na cadeia – após a segunda prisão em 1962 – tinha tanta informação e juízos tão claros e firmes.

Ao despedirmo-nos, António Dias Lourenço chamou-me à parte e perguntou-me se poderia utilizar a minha casa para fazer, ou receber, não percebi bem, uma chamada telefónica de longa distância que requeria discrição e privacidade. Forneci-lhe a minha morada e não falei do assunto a ninguém. Até hoje. 

          Ao fim da tarde bateram à minha porta. Os meus filhotes retiraram-se com a mãe para o primeiro andar da casa de bairro das Calçada dos Mestres e eu fui abrir. E abrindo a porta vi à minha frente António Dias Lourenço e ainda Octávio Pato, Joaquim Gomes e creio que também Carlos Brito  e/ou Rogério de Carvalho, ou seria outro dirigente do PCP, talvez Jaime Serra, que eu não identifiquei, enquanto os restantes já tinham aparecido em público, designadamente ao serem recebidos pela Junta de Salvação. Informei-os que os meus filhos e mãe estavam no primeiro andar e não desceriam até que eu os chamasse mas acrescentei que nesse andar ficava a casa de banho, pelo que em caso de necessidades, era melhor falarem primeiro comigo. E saí para o quintal. 

        Passadas talvez duas horas chamaram por mim: iam sair. António Dias Lourenço teve a amabilidade de agradecer e de me comunicar a grande decisão daquela reunião realizada em minha casa e do contacto internacional que tinham feito através do meu telefone:
          - O Camarada chega amanhã.
        -…
        - O camarada Álvaro… chega amanhã.
          E chegou, Álvaro Cunhal chegou a Lisboa a 30 de Abril de 1974.


Lisboa, 11 de Junho de 2015 


Álvaro Cunhal a desembarcar em Lisboa, acompanhado por Domingos Abrantes e Conceição Matos, encaminhado pelo funcionário do aeroporto José Duarte.

"Um, dois... um, dois, três, quatro, cinco minutos de jazz" é da extracção de 1966, mais antigo que a democracia em Portugal. 


Cunhal à chegada a Lisboa, em cima de um tanque,
como Lenine no regresso do exílio.
Em redor de Cunhal reconhecem-se: Severiano Falcão, Dias Lourenço,
Mário Soares, Joaquim Gomes, Rogério de Carvalho e o major Jaime Neves,
que comandou a operação de segurança. 

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