João Paulo Guerra, TSF,
9 de Janeiro de 1991,
Cidade da Praia
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Oswaldo Osório |
Inesperadamente, calou-se a algazarra da
campanha eleitoral na Cidade da Praia, para ouvir a voz de um poeta. A
homenagem ao poeta Oswaldo Osório marcou a abertura de um centro cultural que
procura ser um ponto de encontro para os escritores cabo-verdianos.
Oswaldo Osório – pseudónimo literário de
Osvaldo Alcântara Medina Custódio – nasceu na cidade do Mindelo, Ilha de São
Vicente, em 25 de Novembro de 1937. Clar(a)idade
Assombrada, publicada em 1987, é o
seu terceiro e mais recente volume de poesia, sucedendo a Caboverdeanamente Construção Meu Amor (1975), Cântico do habitante. Precedido de Duas Gestas (1977).
A poesia de Oswaldo Osório saiu impressa com
a liberdade. Anteriormente, o poeta estivera preso duas vezes por razões políticas.
JPG - Ouvi-o
referir-se, na homenagem que aqui lhe foi prestada, à língua cabo-verdiana. O que
é a língua cabo-verdiana e o que é Cabo Verde em termos literários ao cabo de
dezasseis anos de independência?
Oswaldo
Osório – A língua cabo-verdiana é a nossa língua materna. E a
língua portuguesa, sem ser para nós uma língua estrangeira, é uma língua
segunda, mas é também a língua oficial. A língua cabo-verdiana tem passado por
vários tratamentos de natureza linguística de modo a torná-la mais plástica na
literatura escrita. E tem sido feito um grande esforço no sentido da
modernização da língua, estabelecimento de regras, etc., que certos jovens,
como por exemplo Tomé Varela, têm vindo a investigar no campo da oralidade e
escrevendo totalmente em língua cabo-verdiana.
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–
E há já uma literatura em língua cabo-verdiana?
Oswaldo
Osório – Sempre houve uma literatura cabo-verdiana a par e
passo da literatura escrita em português. Essa literatura cabo-verdiana diz
mais respeito às tradições orais de todas as ilhas.
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–
Como se têm dado os criadores, nomeadamente os criadores literários, os
escritores, com o regime político do pais?
Oswaldo
Osório – É sempre difícil falar do relacionamento entre o
poder e os escritores. Por um lado, é um aspecto teórico com as suas
divergências de pontos de vista entre diferentes escritores; no aspecto prático
é ainda mais delicado falar neste assunto. Mas posso dizer que eu tenho escrito
com toda a liberdade. É certo que eu tive uma fase, antes da independência e
mesmo pós independência, em que a minha poesia era mais comprometida.
Ultrapassei completamente essa fase com o meu livro Clar(a)idade Assombrada, que foi publicado em primeira edição em 1987 ou 1988. E o que eu foco é a liberdade.
Nós não queremos mais cadeias em ilhas. Sempre houve quem não se comprometesse,
com a liberdade e a independência, mas houve também os que tiveram essa
coragem.
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Oswaldo Osório entre a esposa e o actual Presidente de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca |
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Houve no entanto poetas de Cabo Verde que estiveram na luta pela independência
e depois se afastaram do novo regime. Foi por divergências ideológicas ou por
incompatibilidade estética?
Oswaldo
Osório – Só conheço um caso de um escritor que saiu do país e
decidiu viver em Portugal. Mas foi porque quis, ninguém correu com ele. E ainda
há dias esteve cá de visita e para trazer o apoio de cabo-verdianos que vivem
em Portugal à candidatura de Aristides Pereira.
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– O
título Clar(a)idade Assombrada tem uma ressonância com outras Claridades da literatura cabo-verdiana.
Oswaldo
Osório – Sim, o título tem uma dupla leitura. É Clara
Idade e é também Claridade. Claridade
Assombrada. As coisas desejadas que não se faziam ou que ainda não se
fizeram. É o homem deslumbrado com o tempo em que vive.
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Mas Claridade remete para a história
literária de Cabo Verde, a revista Claridade,
publicada nos anos 30 e 40, os poetas da geração da Claridade, os chamados Claridosos,
que seguiam o caminho dos neo-realistas portugueses …
Oswaldo
Osório – É uma leitura. Aceito essa leitura.
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– Formalmente,
pelo menos, tem essa leitura.
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O mais recente livro de Oswaldo Osório, As Ilhas do Meio do Mundo, Novembro de 2016 |
Oswaldo
Osório – Admito que sim, que possa ter também essa leitura. Mas a
dupla leitura do título de que lhe falei há pouco é: Clara Idade e Claridade.
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– É
um novo Claridoso?
Oswaldo Osório – Não, não sou, de modo nenhum.
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– Então,
onde se situa a sua poesia?
Oswaldo
Osório – A minha poesia é uma viagem.
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– E
a viagem da poesia cabo-verdiana navega em que sentido?
Oswaldo
Osório – Em vários sentidos conforme a utopia que vive em cada
escritor.
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– O
primeiro-ministro de Cabo Verde disse ao inaugurar este centro que se trata de
um ponto de encontro para os escritores de Cabo Verde. Também há pontos de
desencontro?
Oswaldo
Osório – Necessariamente. Sempre haverá pontos de desencontro. E é
bom que assim seja.
João Paulo Guerra, TSF,
9 de Janeiro de 1991,
Cidade da Praia
Fotos de Brito-Semedo publicadas na Internet
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