PARA COMEMORAR O 19º PRIMEIRO-MINISTRO QUE LEVO COMO JORNALISTA
O Erro de Guterres - 14 Julho 2000
No momento em que escrevo esta crónica, o Conselho de Ministros está
reunido para pensar. Teme-se o pior.

(…) O Governo da República esteve a pensar no Palácio Real. O Palácio
pertenceu originalmente a um “traidor” português vendido à dinastia ocupante
dos Filipes, mas o caso Santander não consta já das ordens de trabalhos. Foi
deitado pela janela na época de Sousa Franco.
Orçamento e um Queijo - 3 Novembro 2000
O deputado Daniel Campelo, eleito pelo PP, entrou ontem para a história
ao propor-se aprovar o Orçamento de Estado pelo preço de uma fábrica de queijo.
Talvez nem o próprio Campelo se dê conta de tudo o que poderá mudar com a sua
original iniciativa. Interroguemo-nos.
Como não haverá de ter buracos um Orçamento que pode trocar-se por um
queijo? Mas, terá bichos? Se a moda pega, depois do Orçamento Limiano teremos
em próximos anos orçamentos de Azeitão, de Cabra Transmontano, da Serra da
Estrela, de Nisa, do Pico, o Orçamento Rabaçal, o de Serpa, e até mesmo o
Orçamento Terrincho, o Orçamento Roquefort, o Camembert, o Mozzarella? Virá aí
futuramente um Orçamento amanteigado ou um Orçamento curado? Com propriedade, o
Orçamento será dividido em fatias. Mas será que o Governo vai apresentar ao
Parlamento, para aprovação, um Orçamento ou uma tábua de duodécimos?
Ao aprovar-se, eventualmente,
este Orçamento, a troco da proposta queijeira do deputado Campelo,
pretender-se-á simplesmente evitar que os ratos abandonem o navio? Mas se é
verdade que já Hipócrates saudava as virtudes do queijo considerando-o “o
melhor do leite”, que dirão agora os deputados à consistência da pasta, ao
paladar e ao grau de gordura deste Orçamento?
Uma coisa é certa: é o queijo
que faz o queijeiro e não o contrário. E o mesmo pode dizer-se do Orçamento.
O vil metal - 16 Janeiro 2002
Portugal acaba de ser distinguido com mais dois galardões europeus de
elevado significado. Trata-se agora da medalha de ouro da “pobreza relativa” e
da medalha de prata da “economia paralela”, ambas ao nível da União Europeia.
As políticas medem-se pelos resultados e os resultados das políticas
seguidas em Portugal estão à vista. É de crer que estes dados encham de
satisfação os piedosos responsáveis pelo estado a que tudo isto chegou. Feitas
as contas, os nossos governantes têm-se dedicado com denodo e eficácia à
salvação da maioria dos portugueses, garantindo aos cada vez mais ricos as
vantagens perecíveis do reino da terra e prometendo aos cada vez mais pobres as
delícias eternas do reino dos céus. Ámen.
Afinal havia outra - 21 Janeiro 2002
Todos nos lembramos que António Guterres, ao assumir o poder para o
primeiro mandato, proclamou a sua paixão pela educação. Com o segundo governo,
Guterres mudou de paixão. Mas a saúde passou a ser uma permanente dor de
cabeça. A paixão seguinte foi a sociedade de informação, uma paixão dos nossos
dias, motor de busca para a modernidade do país.
Agora que vai deixar o governo e anda a tratar da vida, António
Guterres fez saber que vai falar com Kofi Annan a ver se encontra colocação
internacional para se dedicar ao combate à pobreza e à exclusão. Uma «paixão
antiga», confessa. E é assim que ficamos a saber que em matéria de paixões
afinal ainda havia outra.
Salvo pelo gongo? - 22 Junho 2002

Resta saber, no entanto, o que vem primeiro, se a desconfiança do
povinho se os murros do Governo.
Dr. Contente e Dr. Feliz - 4 Julho 2003
Como vai, Dr. Contente?
Como está, Dr. Feliz?
Diga à gente, diga à gente,
Como vai este país.
De tanga temos que andar
Com a economia doente
E a populaça descontente.
O país está pessimista
Não ouve as nossas mensagens
Das queixas aumenta a lista
E descemos nas sondagens.
Que fazer, Dr. Contente?
Que fazer, Dr. Feliz?
Mais promessas, para toda a gente,
De um novo rumo para o país.
A retoma há-de chegar
Vem aí a “nova fase”
A saúde vai melhorar
E a educação está quase.
Para verem o que valho
Esperem para depois do Verão
Com o Código do Trabalho
E a reforma da administração.
E depois, Dr. Contente?
E depois, Dr. Feliz?
O país não está com a gente
Mas o povo assim o quis.
Bem mereço ir para férias
Depois de tanta canseira
Após um ano de lérias
Vou descansar para a Falagueira.
Um caso que prometia
Tinha a oposição à perna
Mandei-os para a Casa Pia.
Está feliz, Dr. Contente?
Está contente, Dr. Feliz?
A Nação que se aguente
Este é o estado do país.
Da Tanga à Retoma - 18 Julho 2003
O
primeiro-ministro garantiu que «o país vai sair da crise», só não sabe é
quando. Mas isso para Durão Barroso não é problema. Aliás, dada a aposta
estratégica do Governo no sector automóvel, pode dizer-se que a retoma vem de
carrinho. Da conversa da tanga à promessa da retoma foi sempre a andar. Faz
lembrar o outro, que chegou ao oásis sem passar verdadeiramente pelo deserto.
Um
dia destes, ao acordarem, os portugueses sabem pela rádio que chegou a retoma.
A novidade vai correr o país. “Já sabes a última?”. “Não”. “Chegou a retoma”.
Ficará apenas uma dúvida. Quando chegar a retoma que fazermos com a tanga?
Mau Ambiente - 24 Maio 04
Os
portugueses foram surpreendidos, sexta-feira passada, pela notícia de que havia
um ministro do Ambiente. Mas era tarde. O ministro acabara de ser demitido.
“Remodelável” desde que tomou posse, em Abril do ano passado, o ministro
permaneceu numa semi-clandestinidade até ao anúncio da sua demissão.
É de crer
que a causa próxima do desenlace tenha sido o boato de que o ministro se
preparava para sair da clandestinidade e ir à Assembleia da República, amanhã,
explicar a privatização de 49 por cento do grupo Águas de Portugal.
Apesar da
demissão de Amílcar Theias, é de crer que o mau ambiente se mantenha no Governo
e na coligação. Nos bastidores do Congresso do PSD, na sexta-feira,
comentava-se que «foi-se o Theias mas ficaram as aranhas», numa evidente alusão
a numerosos ministros que sobreviveram, para já, a esta mini-remodelação.
Diário De um Governo - 23 Julho 04

Dia 18 – Marcelo Rebelo de Sousa insinua na TVI que o ministro Luís
Guedes, como advogado, esteve ligado a empresas do ambiente.
Dia 19 – O ministro da Presidência afirma que «este Governo não tem que
responder pelas suficiências ou insuficiências do anterior». O
primeiro-ministro responde a Marcelo Rebelo de Sousa, rebatendo que o PSD tenha
perdido influência no Governo, em entrevista junto à campa de Sá Carneiro.
Dia 20 – “Os Verdes” acusam o ministro do Ambiente de estar comprometido
com empresas das águas e do lixo.
Dia 21 – Atraso de 50 minutos na tomada de posse dos 38 secretários de
Estado. À última hora, Teresa Caeiro passa de secretária de Estado da Defesa e
dos Antigos Combatentes para as Artes e Espectáculos. Paulo Portas tinha
comentado que se estava à beira de um facto histórico, a primeira mulher no
Ministério da Defesa. Para adjunto de Paulo Portas vai um ex-vereador da
Figueira da Foz. O DN revela que na declaração de interesses apresentada em
2002, Nobre Guedes era presidente da assembleia-geral de empresas de ambiente e
gestão de resíduos. Manchete do Público: Santana Lopes deixou na CML dívidas a
fornecedores de mais de 100 milhões de euros. A CML corrige o montante para 88
milhões.
Dia 22 – A Capital revela que os ministros do Ambiente e do Turismo «não
têm onde ficar», ocupando, provisoriamente, gabinetes dos antigos secretários
de Estado das áreas respectivas.
A Seca - 23 Março 05
A política portuguesa entrou num ciclo de pasmaceira. Na apresentação do
Programa do Governo, as oposições elogiaram os ministros do PS.
Para quebrar a monotonia do debate, as bancadas da direita atacaram o
que pensavam ser o elo mais fraco do Executivo. Que aconteceu? O Bloco de
Esquerda saiu em defesa do Prof. Freitas do Amaral, compagnon de route dos ‘bloquistas’ nas manifestações contra Bush e
a guerra no Iraque.
A unanimidade contempla todo o espectro do arco-íris. Pois se até o
colunista Luís Delgado considera que José Sócrates está a ser uma “boa
surpresa”!
O estado de graça,
decididamente, não tem graça nenhuma.
A Lebre e a Tartaruga - 16 Maio 05
Enquanto o Prof. Cavaco Silva prossegue a sua marcha triunfal, apesar
dos tabus e mesmo com dúvidas, o PS fez saber que anda à procura de um
«candidato ganhador» para as presidenciais.
Os socialistas começaram por dar de barato que o assunto estava resolvido
com a candidatura “natural” de António Guterres. O webblog não oficial de apoio à candidatura nasceu em Outubro de
2003 mas morreu em Janeiro do ano seguinte. O engenheiro parece ter tido mais
bom senso que os seus apoiantes e mudou de horizontes. Não era problema. O PS
tinha um D. Sebastião na mesma gaveta onde arrumou o socialismo.
É certo que anda pelo meio de tudo isto alguma contra-informação. Todos
os dias saltam nomes para a luz do dia e o PS vai mordendo o isco. “Sim, claro,
é um nome como muitos outros”. O entusiasmo da direcção do PS à volta de
qualquer nova candidatura é glacial, pondo a tiritar um eleitorado de mais de
três milhões de votantes. E o país vai assistindo às vitórias esmagadoras de
Cavaco Silva, em sucessivas sondagens, sobre uma grelha de não-candidatos do PS
e da esquerda.
E deve ser essa a questão. Como o PSD tem uma lebre na corrida para
Belém, a direcção do PS continua à procura da sua tartaruga.
Sacrifícios - 1 Julho 05
Conversa entre dois portugueses, nos primeiros meses deste ano de 2005:
- Já pensaste nos sacrifícios que vais ter que fazer?
- Não. Pensei nos teus.
Alegado País
26 Outubro 05
26 Outubro 05
Um alegado doente, proprietário de uma capoeira de alegadas galinhas,
que chegou ao alegado hospital pelo seu pé e sem febre, foi motivo de alegadas
notícias durante o dia de ontem. Os sintomas da alegada pandemia agravaram-se
com o caso dos alegados gansos-patola e gaivotas que foram encontrados
alegadamente mortos em Peniche.
Começou uma semana de greves na alegada justiça. Ao sexto dia foram
desmarcadas diligências na alegada investigação à banca. O cambão nas
empreitadas de obras e alegados concursos alegadamente públicos de fornecimento
ao Estado vai estar na mira da Autoridade da alegada Concorrência. E a Relação
de Guimarães fez voltar à fase de instrução o alegado processo do saco
alegadamente azul, comprometendo o alegado início do alegado julgamento,
alegadamente previsto para segunda-feira.
O ministro das Finanças não assegura a alegada subida de 2 por cento
nos alegados salários da alegada Função Pública, mas garante que não haverá
alegados despedimentos e que o quadro de alegados supranumerários vai ser
utilizado como instrumento para, alegadamente, melhorar a alegada flexibilidade
laboral entre os vários alegados serviços. O ministro da alegada Economia vai
apresentar em breve o alegado Plano Tecnológico. O alegado Ministério da
Educação vai fechar 3500 alegadas escolas até ao fim da alegada legislatura. O
Governo tira a alegada pensão a 400 mil alegados combatentes. A Segurança
Social recuperou 173 alegados milhões de euros de dívidas de alegados
contribuintes. Alegados agricultores manifestam-se em Lisboa e reclamam dois
mil milhões de alegados prejuízos.
Piscinas alegadamente inauguradas em Lisboa há mês e meio continuam
fechadas. Moradores em barracas apelam à intervenção do alegado Estado.
Nascer
e morrer longe - 2 Outubro 07
Portugal está a ficar curto para os
portugueses. Fecham escolas e há alunos com aulas em contentores. Há alunos sem
aulas por falta de professores e há milhares de professores desempregados.
Fecham maternidades e há crianças a nascer em ambulâncias, nas bermas das
estradas ou mandadas nascer em Espanha. O Governo socialmente mais empedernido
de que há memória em Portugal não concede a alguns portugueses nem sequer o
direito de nascerem no seu País. E agora, segundo o que vem nos jornais, numa
freguesia do Norte de Portugal admite-se também a hipótese de ir enterrar os
mortos a Espanha porque o cemitério local não chega para as encomendas. Não
deve haver muitos exemplos – se é que há algum – de países que mandem os seus
filhos nascer e morrer longe por questões de contabilidade pública.
Oito anos - 18 Outubro 07
Esta coluna completa hoje oito anos consecutivos de publicação. A
coluna já vai no quarto primeiro-ministro, no quinto governo e na terceira
alternância. Mas isso não é nada. Com 40 anos de jornalismo, já vou em 16
primeiros-ministros, entre provisórios, definitivos e 2 presidentes do Conselho
vitalícios. Concordarão que é preciso ter uma paciência infinita.
Nestes oito anos Portugal não mudou grande coisa. A crise é permanente
e os jornais de ontem diziam que a pobreza é idêntica à do fim do século
passado, o que tem aumentado é a desigualdade, que desapareceu a classe média,
absorvida em pequena escala pela minoria que concentra a maioria da riqueza e
em larga medida pela nova miséria escondida. Com efeito, há muito mais ricos e
imensos mais pobres e novos pobres em Portugal. E o empobrecimento da maioria
da população está agora em marcha acelerada com um governo socialista no poder.
Há oito anos, a coluna era no mesmo tom. E infelizmente o tom manteve-se
ao longo dos anos, só mudando a tonalidade dos alvos entre o rosa e o laranja.
E malogradamente confirmou-se a previsão desta coluna ao escrever, em 2001, que
os portugueses tinham então duas notícias, uma boa e outra má. A boa era que
Guterres se ia embora; a má era que chegava Barroso. Que mais haveria de
acontecer aos portugueses? Aconteceu-lhes Santana Lopes, confirmando que em
Portugal o non sense faz todo o
sentido. E tanto riram os portugueses com Santana que agora choram com
Sócrates.
Perguntarão se é fácil escrever ao longo de oito anos uma coluna
vertebral? É difícil. Sobretudo porque 90 por cento dos seres vivos são
invertebrados.
Discurso - 29 Abril 08
Passos Coelho, Santana Lopes, talvez Jardim. O problema de liderança do
PSD não é ter candidatos a mais. É ter candidatos a menos. Do PSD e das
brigadas partidárias em
geral. Daí que por mais voltas que dê o PSD acabe sempre
ancorado nos mesmos nomes, nas mesmíssimas figuras, na idêntica falta de ideias
e de projectos.
Chegou-se
a isto: dentro de um mês poderá acontecer que o PSD seja chefiado por Santana
Lopes enquanto o CDS já é comandado por Paulo Portas, a parceria que saiu
absolutamente desacreditada e humilhada da crise política de 2004 e das
eleições de 2005. Mas a política portuguesa não é determinada pela procura,
antes pela oferta. É o que há, em geral sobras de armazém.
Depois admiram-se que a abstenção tenha crescido de 7,5 por cento em
1975 para 35,7 por cento em 2005!
(E
em 43,07% em 2015)!!!
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