Por João Paulo Guerra, Diário Económico,
Janeiro de 2001
Chovia em Lisboa, no
dia do almoço com o arquitecto Gonçalo Ribeiro Teles e, sempre que chove,
Lisboa revive a memória de inundações devastadoras. O arquitecto tem ideias
sobre o que fazer para afastar esse fantasma da cidade, mas a pressão e os
interesses imobiliários são muito mais poderosos que as ideias e valores deste
homem de 78 anos, com uma vida dedicada à paisagem e um pensamento estruturado
sobre a cidade, a terra, o ordenamento do território. É um bom conversador que
fala com entusiasmo e convicção de algo tão essencial, mas tão desprezado, como
seja a qualidade de vida. E esta foi a entrada da conversa e do almoço. Falámos
do tempo. O prato forte foi a cidade e o campo e à sobremesa lá veio a
política.
Professor jubilado da
Universidade de Évora, Gonçalo Ribeiro Teles trabalha actualmente nos estudos
prévios do «Plano Verde» de Lisboa, procurando recuperar as «ilhas de verdura
da cidade». A questão é que a reabilitação da cidade, como da periferia, está
condicionada por décadas de loteamentos e construção que transformaram Lisboa
numa área «fechada e desumana».
«Não houve o cuidado
que planear a estrutura ecológica e agora resta-nos recuperar», diz,
acrescentando que ainda hoje a generalidade dos governantes tem «uma
consciência ecológica ultrapassada» e a grande maioria dos municípios rege-se
por «ideias do século XIX». Os logradouros, azinhagas, hortas e quintais deram
lugar a habitações clandestinas, a caves, arrecadações, oficinas e espaços de
estacionamento, a loteamentos de betão. Lisboa perdeu qualidade. A altura dos
prédios roubou luz à cidade, aumentando as correntes de vento e a poluição.
E não só, acrescenta o
arquitecto. «Na Europa, hoje, a nova construção para habitação não excede três
a quatro pisos», pois está provado que as torres de betão são um factor
directamente proporcional «ao crescimento da marginalidade, da criminalidade e
do vandalismo». Mas ultrapassar o urbanismo convencional é um combate desigual.
Do outro lado, diz o arquitecto Ribeiro Teles, estão «a rotina dos técnicos, os
interesses dos investidores e o facto das obras não serem visíveis e
inauguráveis».
Autor dos jardins da
Fundação Calouste Gulbenkian, entre muitas outras obras de Lisboa, Gonçalo
Ribeiro Teles cita com frequência, em latim, o que parece ser a sua divisa -
«urbe et ager», cidade e campo – e o seu sonho: levar a cidade ao campo, trazer
o campo à cidade. Na sua opinião, a par dos espaços públicos, os quintais e
logradouros privados da antiga Lisboa, para além da valorização estética da
cidade, teriam ainda hoje uma função insubstituível «para a circulação da água,
a amenidade do clima, o combate à poluição».
Gonçalo Ribeiro Teles
foi o primeiro governante da área do Ambiente após o 25 de Abril. No primeiro
Governo Provisório, por decreto, anulou a legislação que ameaçava o Parque de
Monsanto com o avanço indiscriminado do cimento armado. Posteriormente, nos
governos de Pinto Balsemão, foi autor de legislação que criou a Reserva Agrícola
e a Reserva Ecológica. Mas hoje os campos estão desertos e o entrevistado não
tem dúvidas que esse é o preço pela «falta de uma política de ordenamento que
considerasse a agricultura, instalando as populações rurais em condições
sociais de dignidade».
Crítico dos actuais
projectos de ordenamento do território, Ribeiro Teles considera que, ao
distinguir solos urbanos e rurais, estes muito mais baratos, a legislação
abrirá caminho ao rápido avanço da especulação e da urbanização sobre os solos
rurais. Quanto à Política Agrícola Comum, a sua apreciação é radical e
definitiva: «A PAC é dominada por economistas e a agricultura é uma
humanidade». Na sua opinião, e ao contrário do pensamento económico, «não se
trata simplesmente de aumentar a produção, mas de equilibrar o tempo com a
regeneração dos recursos».
Monárquico por formação
e militância, opositor à ditadura salazarista, Gonçalo Ribeiro Teles considera
ainda hoje que a monarquia constitucional seria «a única forma de assegurar o
funcionamento da democracia», com «representação permanente» através de uma
«instituição personalizada e não acidental». Como sempre na eleição para o
Presidente da República, no próximo dia 14 irá votar em branco.
E votaria no actual
candidato ao trono de Portugal, quis saber o jornalista? Gonçalo Ribeiro Teles
contorna a pergunta: «A monarquia começou com a eleição do rei. Depois, a
hereditariedade ultrapassou a eleição».
Os legumes eram uma
«ilha verde» no prato do arquitecto Gonçalo Ribeiro Teles, no almoço com o
jornalista do DE, no velho Martinho da Arcada, em Lisboa. No cenário marcado
por fotografias do poeta em Pessoa, o arquitecto encomendou dourada grelhada,
que acompanhou com legumes e temperou com azeite. Bebeu água, para sobremesa
pediu maçã assada e no fim da refeição tomou café.
O jornalista do DE mandou vir arroz de bacalhau e não se arrependeu.
O jornalista do DE mandou vir arroz de bacalhau e não se arrependeu.
Por João Paulo Guerra, Diário Económico, Janeiro de 2001
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