Por João Paulo Guerra,
Público, 24 de Outubro de 1990
Público, 24 de Outubro de 1990
O serviço
de atendimento telefónico SOS-Criança tem registado, nos últimos meses, uma
particular e inesperada angústia por parte de um considerável número de crianças
portuguesas: o medo de uma guerra no Golfo com envolvimento de Portugal.
O
SOS Criança – que responde pelo telefone de Lisboa 7931617 [número atual 21 361 7880] – é
uma iniciativa do Instituto de Apoio à Criança (IAC) e pretende ser um serviço
mediador entre a criança e a sociedade ou, como disse ao PÚBLICO a presidente
do IAC, Manuela Ramalho Eanes, «uma escuta afectiva dos problemas das crianças».
Constituído
em Novembro de 1988, o SOS Criança dedicou-se inicialmente a acolher protestos
e denúncias relativas a maus tratos sobre crianças: funcionava cinco horas por
dia como linha anónima e confidencial. Porém, segundo a coordenadora do
serviço, Maria do Céu Curto, também técnica do Tribunal de Menores, o SOS não
quis limitar o âmbito do projecto, nem descurar a acção preventiva, abrindo a
linha a todo o tipo de situações».
Hoje,
o serviço funciona entre as 9 e as 18 horas. Uma pequena equipa de psicólogos,
educadores e assistentes sociais responde diariamente aos apelos e consultas de
crianças de adultos sobre situações que afrontam os direitos, o bem-estar e a
felicidade das crianças. Num futuro próximo, o serviço passará a dispor de um
apartado postal para alargar o âmbito da sua atividade às consultas por
correspondência escrita.
SOS
– Solidão
De
25 de Novembro de 1988 a 30 de Junho passado, o SOS Criança atendeu um toral de
2989 apelos e consultas, 2098 das quais provenientes de crianças. Elas
queixam-se, com mais frequência, de situações que resultam de conflitos
familiares, nomeadamente do divórcio dos pais, de problemas de comportamento e
escolares e de solidão. Nas queixas e denúncias por intermédio de adultos, as
questões relativas às crianças que chegam mais frequentemente ao SOS dizem respeito
a problemas de comportamentos escolares, a maus tratos na família, a casos de
negligência e a abusos sexuais.
Segundo
a coordenadora do serviço, os adultos que contactaram com mais frequência o SOS
Criança são as mães e outros familiares, vizinhos, assistentes sociais, pediatras,
professores e outros membros da comunidade.
Quanto
às crianças que recorrem diretamente ao SOS, Maria do Céu Curto diz que o grupo
mais numeroso é o das crianças isoladas, entre os 9 e os 11 anos. Quando, no
atendimento, lhes perguntam se já falaram dos seus problemas aos pais,
respondem, invariavelmente, que os pais não têm tempo.
Traçando
o perfil dos pais que recorrem ao SOS, Maria do Céu Curto disse ao PÚBLICO que,
«de um modo geral, não são dos mais desfavorecidos economicamente, mas exercem profissões
socialmente pouco valorizadas». E acrescentou: «Em geral, ascenderam a um certo
nível económico, mas o nível cultural é inferior ao que aspiram para os filhos
e que, em certa medida, os filhos já têm».

Portugal
vai à guerra?
A
criança que recorre ao SOS, de um modo geral «está sozinha em casa grande parte
do dia e faz parte de uma comunidade que não lhe dá nada em matéria de ocupação
de tempos livres». Esta é a situação mais frequente.
Mas
segundo a coordenadora do SOS, também os meios de comunicação audiovisual,
avidamente consumidos pelas crianças, têm pesadas responsabilidades em relação
a certas dúvidas e inquietações, ao despertarem questões às quais não dão
respostas adequadas e claras.
Está
neste caso o noticiário sobre a situação no Golfo Pérsico – designado em geral simplesmente
golfo, sem geografia – que nos últimos meses tem suscitado um volume considerável
de consultas ao SOS – Criança. As perguntas são marcadas por uma acentuado
alarmismo e as crianças procuram entender o que se passa, se vai de facto haver
guerra, que efeitos e âmbito terá um conflito militar e se Portugal estará envolvido
ou será atingido pela guerra.
No
último trimestre – em relação ao qual não está feito o balanço dos atendimentos
do SOS – Criança – esta foi uma questão tão inesperada como candente.
O
Instituto de Apoio à Criança – em que cujo âmbito funciona o SOS – foi fundado
em 7 de Março de 1983 e é uma instituição privada de solidariedade social que,
segundo a sua presidente, Manuela Eanes, tem na prática o estatuto de Provedor da
Criança.
João Paulo Guerra, Público, 24 de Outubro de 1990
Sem comentários:
Enviar um comentário