
Por João Paulo Guerra, in Diário Económico, 31 Julho 2002
No Ficheiro Central da Casa
Branca, Portugal é designado pelo código
CO 122 – CO de countries e 122
pela ordem alfabética num total de 179 países. Os ficheiros estão parcialmente
acessíveis e são complementados com a consulta das bibliotecas pessoais dos
sucessivos presidentes norte-americanos. A digitalização e a Internet dão aos
papéis presidenciais uma acessibilidade universal e existe mesmo uma
instituição, a NARA - National Archives and Records Administration, que
organiza o acesso à consulta dos documentos da administração.
No ficheiro CO 122, para além
de informação classificada em termos de segurança, outros dados sobre Portugal
permanecem inacessíveis, deslocados do Ficheiro Central para os arquivos do
adjunto de Segurança Nacional do Presidente. É o caso de informações sobre
«actividades comunistas no país», «ajuda a Portugal», o relato de um «encontro
com o presidente Costa Gomes» e uma pasta sobre o «movimento de independência
dos Açores» que permanecem como ficheiros secretos.
Em duas fases da história do
século passado, Portugal constituiu uma preocupação particular para a Casa
Branca. A primeira foi durante a II Guerra Mundial, quando a posição ambígua de
Salazar fazia os Aliados temerem um realinhamento ao lado dos alemães. O
presidente Truman pediu ao seu representante pessoal no Vaticano, Myron Taylor,
que tentasse entender a posição portuguesa, aproveitando para tal uma visita do
Patriarca de Lisboa à Santa Sé, em Outubro de 1942. Taylor participou numa audiência
do Papa Pio XII ao cardeal Cerejeira, levando consigo o assessor militar da embaixada
dos EUA. O relato da audiência está nos papéis do presidente Truman mas não é
conclusivo quanto às intenções secretas de Salazar. O embaixador Taylor só
conseguiu extrair como conclusão da
audiência a «profunda e ilimitada confiança» de Cerejeira em Salazar. A
audiência não deu para mais e o embaixador Taylor relatou a Truman que
Cerejeira se despediu com uma «velha expressão em latim»: «Bless you, my son».
A segunda grande preocupação
dos EUA em relação a Portugal surgiu nos anos 70. Portugal veio à baila no debate televisivo entre o presidente Ford e o senador Carter, na
campanha eleitoral, em Outubro de 1976. Ford acusou Carter de ver «com simpatia»
um «governo comunista na NATO». Carter respondeu que quem enfraqueceu a NATO
foram os que «apoiaram a ditadura mais longa em Portugal» e que depois tardaram
em «apoiar as forças democráticas». E o candidato – que veio a sair vencedor –
ainda acusou o presidente Ford e o secretário de Estado Kissinger de começarem
«um novo Vietnam em Angola».
Em Maio do ano anterior, o
presidente Ford participara numa Cimeira da NATO, em Bruxelas, durante a qual
se reuniu com o primeiro-ministro português. O encontro entre Gerald Ford e
Vasco Gonçalves foi «cordial», tal como consta na acta da reunião do Gabinete
norte-americano de 4 de Junho de 1975. Ford relatou que Vasco Gonçalves gastou
20 minutos da audiência para explicar-lhe a orgânica e a forma de tomar decisões
do governo português. Em resposta, Ford «insinuou» a Vasco Gonçalves que «o
sistema lhe parecia um pouco caótico».
Kissinger interveio na
reunião para explicar que em Portugal, excluindo o «partido militar», todos os
outros «estavam mortos». E lançou para próxima discussão a questão de se
entender se Portugal permanecia na NATO por «a opinião pública não estar
preparada para a decisão» de abandonar a Aliança, ou «para servir os propósitos
comunistas?».
Na viagem à Europa, Ford e
Kissinger reuniram-se em Madrid com o ditador Franco. A Espanha, em 1975, era
outra das preocupações de Kissinger. A questão era saber se, após a morte de
Franco, a Espanha não seguiria «um caminho idêntico ao de Portugal».
Amigos especiais
Nos anos 80, com Portugal de
regresso ao redil ocidental, os relatórios que constam da pasta CO 122 no
Ficheiro Central da Casa Branca resumem-se a pouco mais que relatos de reuniões
e visitas. O encontro de Ronald Reagan com Pinto Balsemão, durante uma Cimeira
da NATO em Bona, em Dezembro de 1982, já não foi apenas «cordial» mas
«excepcionalmente útil e harmonioso». Em Setembro de 1983, Ramalho Eanes
visitou os EUA. Ronald Reagan, em seu nome e no de Nancy, afirmou-se «honrado e
satisfeito» com a visita.
Em Março de 1984 foi a vez do primeiro-ministro Mário
Soares visitar a Casa Branca. Reagan apresentou-o como «uma personalidade
internacional, um valoroso apoiante dos valores e ideais do Ocidente, um homem
de grande coragem pessoal» e, acima de tudo, «um amigo especial». Segundo os
apontamentos de Reagan, foi «particularmente útil» a conversa com Soares sobre
«os conflitos na África Austral».
Em Maio de 1985, Reagan
retribuiu a visita de Eanes, o que lhe deu oportunidade de voltar a
encontrar-se com Soares, o «bom amigo». Aos brindes, no final do almoço em
Sintra, Reagan citou John dos Passos, «um escritor americano com raízes
familiares em Portugal», para dizer que «o marxismo falhou não só na promoção
da liberdade humana mas também na produção de alimentos». Depois do jantar, com
Ramalho Eanes, Regan citou Camões e uma versão muito livre dos avisos a D.
Sebastião para que, agora sim, Portugal estivesse a seguir os desafios do poeta,
descobrindo o caminho para a democracia.
Em Agosto de 1989, George
Bush recebeu Cavaco Silva na sua residência no Maine. E quando os jornalistas
lhe perguntaram se o local proporcionava um ambiente de trabalho mais fácil
para abordar as questões do mundo, Bush respondeu que «as questões podem não
ficar resolvidas mas a música de fundo é boa». Em Janeiro do ano seguinte,
Cavaco Silva voltou aos EUA e dessa vez foi recebido na Casa Branca, onde se
reuniu em privado com George Bush pai. A comitiva ficou à porta da Sala Oval.
João Paulo Guerra, in Diário Económico, 31 Julho 2002
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