No traço contínuo da fronteira
terrestre entre Portugal e Espanha há uma solução de continuidade a tracejado:
Olivença. Portugal não reivindica o território. Mas também não reconhece a
soberania espanhola.
A fronteira terrestre entre Portugal e
Espanha é assinalada por marcos numerados. Porém, a partir do marco 801 e até
ao 900 a numeração está por preencher. O espaço em branco corresponde ao
traçado que seria a fronteira se, em lugar de seguir ao longo do Guadiana,
contornasse por terra a cidade de Olivenza, ou Olivença, e o seu termo.
Diplomatas e técnicos militares de
Portugal e Espanha reúnem-se regularmente no âmbito de uma comissão mista sobre
os limites entre os dois países ibéricos. Nesse domínio são discutidas questões
relativas à delimitação das fronteiras – nomeadamente no que diz respeito às
ilhas e margens do rio Minho, cuja configuração varia de acordo com o
assoreamento - e são debatidos aspectos técnicos da reconstituição dos marcos
da fronteira terrestre. O caso de Olivença, porém, é diplomaticamente ignorado
por ambas as partes.
O embaixador Carlos Wemans que dirige,
no Ministério dos Negócios Estrangeiros, a Comissão de Limites entre Portugal e
Espanha, disse ao PÚBLICO que, da parte portuguesa, há o cuidado de não tomar
qualquer posição que possa significar o reconhecimento de facto da soberania
espanhola sobre Olivença, embora ninguém alimente ilusões quanto a uma
devolução da cidade à soberania portuguesa.
O Tratado de Limites entre Portugal e Espanha
data de 19 de Outubro de 1864, reconhecendo as fronteiras desde a foz do rio
Minho até á confluência do Caia com o Guadiana, com um convénio suplementar de
17 de Julho de 1927, reconhecendo os limites entre os dois países desde a foz
do rio Cuncos à do Guadiana. A devolução de Olivença à soberania portuguesa deu
azo a várias campanhas de inspiração nacionalista, mas tal reivindicação,
segundo o embaixador Carlos Wemans, «é questão que oficialmente não se põe,
hoje em dia».
«Como se fora uma criança»
A reivindicação da devolução de
Olivença inspirou, em 1944, a criação dos "Amigos de Olivença" como «grupo
patriótico e beneficente». A agremiação promoveu palestras melancólicas sobre a
questão de Olivença, como a da «distinta escritora e poetisa D. Lygia Toledano
Esaguy» em Outubro de 1958.
«Em cada coração humano existe sempre
uma flor pura de beleza; se a dor estiola as pétalas, a corola talvez vergue a fronte
humilde, elegante e diplomaticamente, mas, a raiz da mesma, sendo forte e
fecunda, não morre», disse a poetisa. Isto, para dizer: «Enquanto os olhos de Olivença
para Portugal vão olhando, os braços para a mãe se estendem e os lábios vão
rezando… É português – Deus meu! – o nome da alma que mostra da gente lusitana
a expressão; traz na prece a saudade de mãos postas e no sangue o sangue do
nosso coração!». Por outras palavras: «E dançando na fogueira da sua alma a
destilação de um amor, que é esperança, Portugal embala Olivença, como se ela
fora uma criança! Aplausos prolongados». Assim consta da acta da reunião mensal
dos "Amigos de Olivença" de 23 de Outubro de 1958.
Com mais ou menos lirismo, os "Amigos de
Olivença" suportam as vicissitudes da história e do relacionamento entre os
países ibéricos. Só não aguentaram o embate da cruzada de reconquista militar e
popular, lançada no final dos anos 70 pelo almirante Pinheiro de Azevedo. Na
sequência da aventura, o grupo fracionou-se e dele só resta hoje um número de
telefone na lista de Lisboa. Porém, do outro lado da linha, o assinante renega
a assinatura. Não é ali. Não conhece.
A facção mais urbana dos "Amigos de
Olivença" acolheu-se à sombra da Sociedade Histórica da Independência de
Portugal. O presidente da Sociedade, general Themudo Barata, disse ao PÚBLICO
que «qualquer situação de conflito seria, hoje em dia, ridícula». Para o
general, a ocupação de Olivença em 1801 constituiu «um procedimento ilegal, no
qual a política se sobrepôs ao direito». Mas, acrescentou o general, «há que
reconhecer os factos e ter em conta a realidade». E a realidade - segundo
Alberto Reis, outro dirigente da Sociedade – é a implantação local dos
espanhóis, através de sucessivas gerações, sendo resolvidos os problemas da
cidade e da sua população, cujo nível de vida não tem comparação com o de
Portugal.
Para o general Themudo Barata, é um
facto que em Olivença «os limites da cultura não coincidem com a fronteira
política», mas tal situação não permite, em seu entender, que «se leve a
discussão para o campo politico, com ideias subjacentes e alimentando ódios e
mal-estar».
A guerra dos cómicos
«É evidente que reclamamos Olivença
para Portugal», diz, por seu lado, o chamado "Comité Olivença Portuguesa".
Constituído após a diluição dos "Amigos de Olivença" e sediado em Estremoz, o
Comité é liderado por Carlos Luna, um professor do ensino secundário que diz
identificar-se com uma área política próxima do Partido Comunista. O Comité
declarou recentemente que deixou «a clandestinidade», acrescentando, todavia,
que os seus filiados mantêm o anonimato para evitar «represálias» e «não cair
no ridículo», pois não querem ser confundidos com «elementos funestos,
fascistas ou cómicos», como os "Amigos de Olivença", a "Associação Operária
Camponesa" ou o almirante Pinheiro de Azevedo.
O "Comité" apresenta-se como «uma organização democrática, genuinamente
progressista» e denuncia, simultaneamente, as «posições chauvinistas,
extremistas, fascizantes e revanchistas», como também as «posições derrotistas,
atemorizadas e preconceituosas». Com um programa de 22 pontos para a «Reintegração
de Olivença em Portugal», o "Comité" afirma que a sua ação se limita, «por
enquanto, à propaganda e ao esclarecimento» mas, ao mesmo tempo, «declara
ilegais e perigosas as ações violentas ou extremistas, vindas não importa de
onde».
No
terreno, sem marcos a dividir os territórios dos dois países, a fronteira lá
está, simplesmente natural, correndo nas águas do Guadiana. Tudo o mais, como
diz o embaixador Carlos Wemans, não passa de simples «curiosidade histórica».
João Paulo Guerra, Público, 12 de Outubro de 1990
2 comentários:
Talvez nem da UE faça parte. Vou mudar-me.. Olivença é minha!
Ideia positiva e bem popular do povo português, mas não dos chefes até ver.
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