Mário Soares saúda a nacionalização da banca: «O capitalismo foi
ferido de morte»…
João Paulo Guerra,
in Diário Económico 10 Março 2000
in Diário Económico 10 Março 2000
O 11 de Março de 1975 foi um golpe e
contra-golpe que caiu do céu. Paraquedistas sairam da Base Aérea Nº 3, em
Tancos, às ordens de Spínola, e
metralharam o Regimento de Artilharia Ligeira 1 - RAL 1, depois chamado Regimento
de Artilharia de Lisboa - RALIS. Mas ao princípio da tarde, paraquedistas e
artilheiros cairam nos braços uns dos outros, em directo para a reportagem do
Adelino Gomes, deixando as dúvidas para a sociedade civil. E que dúvidas!
Augusto Mateus, dirigente do MES, exigiu mesmo que «se aprofundem
suficientemente as eventuais ligações entre o PPD e o PS e o golpe
contra-revolucionário militar», dando como adquirido que PS e PPD «criaram
condições para o golpe».

Em Londres, à conversa com Margareth Tatcher,
então diirgente da oposição conservadora, Freitas do Amaral ficou «surpreendido
e chocado com a tentativa de golpe em Lisboa» e nem a presença da «Dama de
Ferro» o demoveu de mandar um telegrama a Vasco Gonçalves, o general do próprio
«gonçalvismo»: «Reafirmo a V.Exª a minha solidariedade e a do meu partido, CDS,
na defesa do futuro da democracia em Portugal».
O CDS ficou a saber onde parava o seu
presidente no 11 de Março. Mas a Democracia Cristã não sabia do paradeiro do
secretário-geral. «Em virtude do Directório do PDC ter perdido desde
segunda-feira, dia 10, todo e qualquer contacto com o seu secretário-geral,
major Sanches Osório, a Comissão Política dirigiu-se à Comissão Coordenadora do
MFA, a quem expôs a situação a fim de a clarificar», afirmavam os democratas-cristãos
em comunicado no dia 12. E o PDC reafirmava o «propósito de se manter
estritamente fiel ao Programa do MFA», o que não lhe serviu de nada pois foi
ilegalizado pelo Conselho da Revolução no final do mês.

Idos de Março
No início de Março já se falara em golpe. A
revista alemã «Extra» anunciara para breve «um golpe da CIA em Portugal». Mas o
comandante do COPCON minimizara a ameaça. «Tenho um total desprezo pelo medo»,
comentou Otelo Saraiva de Carvalho. Alguns portugueses ficaram mais tranquilos.
Um inquérito publicado na «Vida Mundial» revelou que 54 por cento da população
acreditava que 1975 seria melhor que 74.
Para já, nos primeiros dias de Março, a
revolução era uma festa. No Coliseu exibiam-se os Coros e Danças da Ukrânia, «o
espectáculo que assombra o mundo», no ABC apresentava-se folclore romeno e em
S. Carlos a estrela da Ópera de Bucareste, Marilia Krilovici, cantava a
«Manou», de Puccini, à frente de um elenco do qual faziam parte, entre outros,
Plácido Domingo. No Pavilhão de Cascais exibiram-se os Genesis. Em Lisboa, Mário
Henrique Leiria apresentou os «Contos do Gin Tónico», dedicando a obra «às
crianças que gostam de cegar um olho à avó e pegar fogo á casa». O Benfica
comandava o campeonato e anunciava a intenção de contratar um primeiro jogador
brasileiro. E o Sporting, que seguia a três pontos em segundo lugar, disputava
com a Frente Socialista Popular um edifício municipal na Rua do Passadiço.
Porque, além da festa, estava em cena uma revolução.

E havia a ameaça externa. Na raia de Espanha
a Guarda Civil reforçou as fronteiras, alegadamente para interceptar «grupos
subversivos portugueses». No mesmo dia, em Lisboa, desfilavam os «anarcas» pelo
Rossio com a palavra de ordem «Espanha e Portugal – Revolução Sexual».
Eram assim as notícias. Na I Conferência
Nacional do MRPP para os Trabalhadores Jornalistas, Arnaldo Matos, «o grande
educador da classe operária», traçou a linha para a luta de classes. Mas deixou
bem claro que «os jornalistas não são uma classe, são uma camada».
«Tupamaros» em Lisboa
Ao mesmo tempo, alguém fez constar que a
Esquerda preparava uma «Matança da Páscoa», segundo uma lista de personalidades
a abater. A «matança» seria executada por guerrilheiros «Tupamaros». Algumas
embaixadas confirmaram que havia qualquer coisa no ar.

Otelo declara guerra a Carlucci
O golpe acabou em desgraça, com Spínola e acompanhantes a
fugirem de Tancos para Espanha em helicópteros militares. Quanto ao
contra-golpe correu bem, com os «páras» e os artilheiros abraçados e unidos do
mesmo lado da barricada. Mas no dia seguinte Otelo Saraiva de Carvalho declarou
guerra aos Estados Unidos da América.

Em Washington, o Departamento de Estado convocou a
imprensa: «Desmentimos categoricamente que a embaixada norte-americana ou o Governo
dos Estados Unidos da América tenham estado envolvidos, fosse como fosse, nos
acontecimentos ocorridos em Lisboa ou tenham tido qualquer conhecimento
antecipado do motim».
Em Nápoles, o secretário-geral da NATO, Joseph Luns,
manifestou-se muito preocupado. «Estamos a seguir com grave apreensão os
acontecimentos em Portugal, um país politicamente extremamente incerto».
Nos dias imediatos corria em Lisboa que uma esquadra
americana avançava sobre a costa portuguesa e que aviões estrangeiros
sobrevoavam já o território. Havia falsos alarmes de bombas por todo o lado. A
5ª Divisão ía desmentindo os boatos e o Estado-Maior General das Forças Armadas
chegou mesmo a desmentir um cartaz do MRPP: não, não era verdade que navios de
guerra norte-americanos se preparassem para efectuar um desembarque em Sines.
Mas no dia 20 de Março, esta «guerra» tinha acabado. E o
«Diário de Lisboa» até encontrou espaço para um despacho do seu correspondente
em Faro. «Começaram a chegar as andorinhas».
«O capitalismo ferido de morte»

Falando a
manifestantes que foram a Belém vitoriar o MFA, o Presidente da República,
general Costa Gomes, explicou o sentido e alcance da decisão: «O Conselho da
Revolução promolgou ontem a lei mais revolucionária que jamais foi promulgada
neste país: a Banca para o Povo. A medida é altamente positiva mas para que ela
resulte é preciso que o povo português trabalhe. E trabalhe muito».
Para a
Intersindical, que o contra-golpe iria consagrar como central sindical única, a
nacionalização da banca representava a saída para quase todas as crises: «Com
esta medida, ficam criadas condições para travar a alta dos preços, para
debelar a crise de desemprego, para o saneamento da economia nacional». Ou seja,
no dizer do PCP, «uma medida que se estava tornando indispensável». A CIP, que
repudiara o golpe do dia 11, quando a banca foi nacionalizada comprometeu-se
«perante o MFA e o Governo a prestar a sua leal e completa cooperação».
O PS considerou
que a nacionalização da banca indicava «de uma maneira bem clara» que se estava
«a caminho de criar «uma sociedade nova em Portugal», o que constituía «um dia
de alegria para todos». O PPD manifestou o seu apoio à nacionalização,
alertando para que a medida são se limitasse a «substituir um capitalismo
liberal por um capitalismo de Estado». Até o PPM estava de acordo, mas… «Mas
nacionalizar não basta. Há que comunalizar a banca». Só O PRP-BR desafinava,
pela esquerda, deste coro: «Não acreditamos em socialismos a 50 por cento».
Sucediam-se as
manifestações e comícios. No dia 15, o Sindicato dos Jogadores Profissionais de
Futebol convocou todos os seus filiados para um comício da Intersindical,
apoiando a nacionalização da banca e acrescentando que aguardava «idênticas soluções
em outros sectores».
Num comício do PS,
no Porto, no dia 19, Mário Soares foi definitivo: «O capitalismo foi ferido de
morte com as nacionalizações da banca e dos seguros, mas não basta isso, não
basta substituir o patrão capitalista pelo patrão Estado. É preciso que o
próximo patrão seja o poder dos trabalhadores».
IV Governo
Na organização do
poder, o 11 de Março traduziu-se pela passagem do III para o IV Governo
Provisório. O MDP entrou para o governo, juntando-se à coligação do PS, PCP e
PPD, chefiada por Vasco Gonçalves. Deixaram o elenco governativo Rui Vilar,
Costa Brás, Rodrigues de Carvalho e Maria de Lurdes Pintasilgo. Mário Soares
deixou os Negócios Estrangeiros e ficou ministro sem pasta. Para o MNE passou
Melo Antunes. Para o elenco do IV Governo entraram, entre outros, Pereira de
Moura (ministro sem pasta), Mário Murteira e Vítor Constâncio (ministro e
secretário de Estado do planeamento económico), José Fragoso (finanças), João
Cravinho (indústria), Oliveira Batista (agricultura), Vera Jardim (secretário
de Estado do comércio externo e turismo), Garcia dos Santos (obras públicas),
Ferreira de Lima (comunicações), Nuno Portas (habitação). Foi este Governo que
recebeu a banca e os seguros nacionalizados. Por sua conta nacionalizou meia centena
de empresas de combustíveis e electricidade, dos transportes e siderurgia, dos
tabacos, dos cimentos e das celuloses.
A formação do
governo foi demorada devido a divergências partidárias. Mário Soares desmentiu,
no dia 15, afirmações que lhe eram atribuídas pela rádio francesa. «Na verdade
– declarou Soares – nunca defendi, nem defendo, uma aliança privilegiada ou
isolada com o PPD, o que é contrário à linha política do PS». No dia seguinte
ao do golpe e contra-golpe, Soares tinha-se reunido com o PCP, declarando à
saída do encontro: «O fundamental é encontrar o que nos une e não fazer
finca-pé no que nos divide». Dois dias depois reuniu-se com o PPD.
O CR manteve as
eleições para a Constituinte, adiando-as de 12 para 25 de Abril. Em Viseu, numa
das primeiras sessões de «dinamização cultural» do MFA, perguntava um
agricultor para um militar: «Se fosse para votar nos militares, nós sabíamos e
votávamos». Antes das eleições, os partidos assinaram um Pacto com o MFA,
comprometendo-se a consagrar o caminho para o socialismo na Constituição, com
irreversibilidade das nacionalizações, e a reconhecer aos militares a direcção
do Processo Revolucionário em Curso. Esse foi o reconhecimento e a consagração
do PREC.
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