Foi a 10 de Novembro de 1961: um grupo armado desviou um
avião da TAP da carreira Lisboa – Casablanca – Lisboa. A história tem dois
protagonistas: Palma Inácio, o assaltante, e o comandante José Sequeira Marcelino,
o assaltado. Vinte e nove anos depois, reconstituíram a história para a TSF.
Uma história romântica, com armas e panfletos, mas também com um namoro nas
alturas e rosas para as passageiras do constellation.
Foi há 29 anos e Hermínio Palma Inácio recorda-se como foi:
Palma Inácio – A ideia partiu de um grupo que estava no
Brasil, com o capitão Henrique Galvão, logo a seguir a fazerem a Operação do
Santa Maria. Como aquilo tinha gerado um grande entusiasmo, pensou-se que
talvez fosse uma boa ideia fazer a mesma coisa com um avião da TAP. E começámos
então a amadurecer ai ideia.
Isso foi antes da vaga de assaltos e desvios de aviões?
Palma
Inácio – Eu penso que foi uma operação pioneira. Foi o primeiro avião desviado
por razões políticas no mundo inteiro. Até por isso levou mais tempo a preparar,
a amadurecer, avaliar os contras, a criar uma equipa em condições. Como nunca
tinha sido feito, a gente não sabia bem como fazê-la. E a operação foi feita
por pessoas que estavam todas na clandestinidade, que estavam fora de Portugal,
mas que eram conhecidas.
Pode
então dizer-me quem fez efetivamente parte da Operação?
Palma
Inácio – O capitão Galvão não fez parte da Operação, claro. Mas fazia parte do
grupo que planeou. Os que fizeram parte da Operação fui eu, foi o Camilo
Mortágua, o Amândio Silva, foi um jovem casal que tinham fugido de Portugal
havia pouco tempo, e tinham chegado a Casablanca.
Na
altura levantaram-se algumas dúvidas se teria havido alguma colaboração da
tripulação do avião?
Palma
Inácio – Não eram aquele avião nem aquela tripulação que deviam ir fazer
naquele dia aquela viagem. Essa viagem, Lisboa – Tanger - Casablanca – Lisboa
era feita por um avião fretado com tripulação francesa, que pertencia à Air
France. E nesse dia, por uma razão que não teve nada a ver com a Operação, foi apenas
uma coincidência, eles mudaram o avião. Havia um avião de reserva parado em
Lisboa, um constellation, e houve um problema com o avião francês e então
decidiram que o avião de reserva faria a viagem tripulado pelo comandante dos
pilotos, que era o comandante Marcelino. Essa mudança é que criou suspeitas
depois do assalto.
A
história da mudança da tripulação, que na altura tanto intrigou a PIDE, era
afinal uma história de amor. De um amor que ainda dura, passados estes anos,
como recorda o comandante Marcelino.
Comandante
José Marcelino – Uma das razões porque desconfiaram de mim foi que porque eu
troquei o serviço. É que eu simpatizava muito com uma rapariga que ia a bordo.
E eles perguntavam: - Mas porque é que você trocou? Não posso dizer, respondia
eu. Nunca disse porque é que troquei o serviço, considerava que isso era um
ponto de honra. Eles depois souberam e lá se calaram.
E
depois?
Comandante
José Marcelino – Depois eu casei com essa rapariga, que é a minha mulher.
A
Operação Vago, desvio do avião de Casablanca, preparada por Henrique Galvão e
executada por Palma Inácio, levou nove meses a preparar, desde o desenlace da
Operação Dulcineia, o assalto ao navio Santa Maria, até ao diz 10 de Novembro
de 1961. Nesse dia, Palma Inácio e o seu “comando” tomaram o avião de
Casablanca e em pleno voo entraram em ação.
Palma
Inácio – O avião levantou voo de Casablanca e eu, mais ou menos a meio caminho,
fui à cabina com o Camilo Mortágua, ia o comandante Marcelino aos comandos do
avião, e apontamos-lhe as pistolas.
Alguma
vez pensou em disparar?
Palma
Inácio – Não, não se ia disparar. Mas fizemos aquilo de maneira a que as
pessoas se apercebessem e pensassem. Eu também sou piloto. Disse ao comandante
Marcelino que aquilo era uma operação revolucionária. O comandante Marcelino
entregou os comandos ao copiloto, levantou-se e perguntou o que é que nós
queríamos. E eu expliquei-lhe: Nós queremos baixar até aí aos 100 metros, sobrevoar Lisboa, Barreiro e outras
localidades à volta, lançar os panfletos que nós
levávamos e depois regressar para Tânger.
Todas
as histórias têm dois lados. E a história do desvio do avião, há 29 anos, tem
também um outro lado da história. Depois de ouvirmos o assaltante, Palma
Inácio, ouçamos o assaltado, comandante Marcelino.
Comandante
Marcelino – Eu estava no meu lugar no cockpit, eles entraram na cabina e eu
disse-lhes: "Mas que brincadeira é esta?" Eles responderam: "Não é brincadeira
nenhuma". Mas quem tremia eram eles, com a pistola apontada para mim. Não foi
absoluta surpresa porque nós uma semana antes tínhamos sido avisados de que
alguém andaria a preparar alguma coisa. Eu sempre pensei que eles não iam
abater o avião, porque se abatiam também a eles próprios. E perguntei o que é
que eles queriam fazer. Responderam que queriam voar baixo sobre Lisboa e
distribuir panfletos. E eu respondi que o avião tinha cabina de pressão não
podia estar a abrir janelas. E eles: "Não pode?" Era muito simples, qualquer
pessoa ligada ao meio aeronáutico sabe como uma coisa dessas se poderá fazer e
o chefe deles tinha estado ligado ao meio aeronáutico. E pronto, viemos para
Lisboa, o copiloto ainda me perguntou o que é que fazíamos, eu respondi que não
fazíamos nada, vínhamos para Lisboa, não íamos arriscar a vida das pessoas que
vinham a bordo. Vim, a conversar com eles. A dada altura perguntei-lhes se eles eram terroristas? E eles: "Não somos terroristas, somos patriotas". E eu: "Bom então está
bem, patriotas". E vim a conversar com eles o resto do caminho. Quanto me
aproximei de Lisboa, pus o trem em baixo, baixei os flaps, era a pista 05,
comecei a fazer-me à pista. Aí ele apontou-me outra vez a pistola, disse que se
posasse em Lisboa deitavam-lhe a mão e faziam e aconteciam. Eu então reverti os
motores e pedi autorização à torre da Portela para voar baixo sobre Lisboa. E
eles autorizaram sem perguntar nada. Então voámos baixo pela Avenida da
Liberdade, fomos a Alcântara…
Isso
a que altitude?
Comandante
Marcelino – Foi a rapar os prédios da Avenida da Liberdade.
Viam
as pessoas, cá em baixo?
Comandante
Marcelino – Então não víamos!? E as pessoas viam-nos a nós, olhavam para cima.
E houve alguém que disse assim: “Esta foi a primeira vez que vi a polícia a
colaborar com o povo, a apanhar papéis”. Fomos a Alcântara, Terreiro do Paço,
depois até nos disseram que estava vento e no Terreiro do Paço os papeis
entraram pelas janelas dos Ministérios dentro.
Comandante
Marcelino – Era um constellation quadrimotor, era um avião avançado para aquela
época. E então depois do terreiro do Paço ainda fizemos Barreiro, Beja e Faro.
Quando ia a passar o Tejo consegui desligar os altifalantes e avisar a torre: "Olhe torre, fui assaltado, o avião está a ser assaltado, temos aqui pistolas
apontadas e vou aterrar em Tânger". E o tipo da torre: “importa-se de repetir”.
Eu lá ia repetir! Dizer aquilo já tinha sido um risco, desliguei mas ainda ouvi nos auscultadores uma voz a dizer: “Não é preciso repetir, eu ouvi tudo”. Era então um general da
Força Aérea que estava a voar num Dakota e tinha apanhado a comunicação. Eles
entretanto tinham deixado de ver o avião, porque nós estávamos a voar tão baixo
que não éramos apanhados pelo radar. E eu mantive-me assim, não fosse eles
mandarem uma patrulha contra nós, com aquela gente toda a bordo.
O
avião transportava 70 passageiros. Foi certamente, para todos, e para cada um
deles, a aventura das suas vidas. Palma Inácio conta que alguns dos passageiros
chegaram a colaborar na largada de panfletos. E até houve rosas em pleno voo.
Palma
Inácio – Nós depois de nos assegurarmos que o comandante ia fazer o que nós queríamos,
teríamos que avisar os passageiros do que se ia passar. E então nós avisámos os
passageiros, um a um, dizendo que éramos um comando revolucionário, que íamos
baixar, sobrevoar Lisboa, largar panfletos e voltar para Casablanca, pedíamos
desculpa pelo incómodo, e a cada senhora que ia a bordo oferecemos uma rosa.
O
comandante do avião assaltado e desviado está de acordo: apesar do desvio,
viveu-se a bordo um ambiente de convívio e até de camaradagem.
Comandante
Marcelino – Eles foram bastante corretos. Eu, com passageiros a bordo, fiz
aquilo que devia ter feito e depois de mim, toda a gente fez. Não houve muitos
desvios na TAP mas houve alguns e todos fizeram o mesmo. Só tiveram problemas
aqueles que quiseram resistir. Entretanto eu disse para distribuírem bebidas
aos passageiros, e disse aos assaltantes para não andarem para trás e para
diante no avião com as braçadeiras que eles usavam, umas braçadeiras encarnadas
e brancas, que é para evitar choques. Não houve nada, absolutamente nada com os
passageiros. Muitos até acharam graça, pois ficavam com algo que lhes tinha
acontecido para contar depois.
Como
é que foi depois a viagem de regresso a Lisboa?
Comandante
Marcelino – A viagem de regresso não teve problema nenhum. Trouxe os
passageiros, estava muita gente à espera, também estava a PIDE. O presidente e
a administração da TAP receberam-nos muito bem, depois eu fui ouvido pela
companhia, pela Aeronáutica Civil, a Força Aérea mandou-me apresentar porque eu
era oficial na reserva, houve inquéritos e chegaram todos à conclusão que eu
fiz aquilo que devia ter feito e fiquei ilibado de qualquer responsabilidade.
Mas ainda passei um bocado. A PIDE comunicou à TAP que me queria ouvir e eu
disse que só iria à PIDE como testemunha. E foi assim.
O
senhor comandante voltou a encontrar alguma dos elementos do “comando”
assaltante?
Comandante
Marcelino – Parece-me que foi o Dr. Amândio Silva que vi uma vez. O Palma
Inácio nunca o encontrei.
Vinte
e nove anos depois, os dois protagonistas desta história consideram que fizeram
na altura o que tinham a fazer.
Hoje e aqui, na TSF, fizeram apenas um voo picado sobre a memória.
Por João Paulo Guerra, TSF, 10 de Novembro de 1990
FIQUE ATENTO A ASSALTO AO AVIÃO II - Panfletos com asas
Hoje e aqui, na TSF, fizeram apenas um voo picado sobre a memória.
Por João Paulo Guerra, TSF, 10 de Novembro de 1990
FIQUE ATENTO A ASSALTO AO AVIÃO II - Panfletos com asas
Sem comentários:
Enviar um comentário