Trinta anos após a
publicação, os envolvidos neste caso são referidos apenas pelas iniciais.
Um
ministro do actual Governo [1985] conta-se entre os clientes de uma empresa,
recentemente desmantelada pela PJ, que se dedicava ao tráfico ilegal de
divisas e à evasão de capitais. A empresa, a DOPA – Dragagens e Obras Públicas
Lda, transferiu para o estrangeiro, segundo cálculos da PJ, mais de milhão e
meio de contos anualmente, depositando-os, nomeadamente, no Trade Development Bank,
na Suíça. O caso foi descoberto na sequência das investigações da PJ sobre uma
fraude na agência de Mira do BPSM, há cerca de dois anos, cujo processo se
encontra em fase de instrução. Os titulares e funcionários da DOPA estão presos
sem admissão de caução e a PJ está a ouvir os clientes da DOPA, suspeito do
crime de evasão de capitais.
Empresa
de “dragagem” de capitais
tem
um ministro entre a clientela
A
empresa DOPA foi recentemente
desmantelada pela PJ, ao cabo de uma longa e paciente investigação. A DOPA é
propriedade da família Q. de A. e os seus titulares e funcionários encontram-se
presos sem admissão de caução, situação da qual recorreram para a Relação de
Lisboa.
Cálculos
da Polícia indicam que a DOPA transferiu fraudulentamente para o estrangeiro –
designadamente para contas no Trade Development Bank, na Suíça – mais de milhão
e meio de contos anualmente. A Polícia Judiciária identificou já numerosas contas abertas por clientes da DOPA, contando-se entre eles um ministro do
actual Governo e outras personalidades.
As
investigações policiais iniciaram-se há cerca de dois anos e tiveram como ponto
de partida uma fraude de 200 mil contos na agência de Mira do Banco Pinto e
Sotto Mayor, um caso que «o diário» revelou e acompanhou pormenorizadamente com
reportagens em Lisboa e Zurique. Na sequência das primeiras investigações
chegaram a ser presos, em Abril de 1983, diversos indivíduos, entre os quais M.Q.
de A. O seu advogado, P. de C., conseguiu na altura a libertação do cliente
mediante o pagamento de uma elevada caução. Outro tanto foi conseguido pelo
defensor dos outros detidos, F.G., o advogado da «Dona Branca», agora
pronunciado no caso da «escroque do povo».
Após
a libertação de Q. de A. e dos outros indivíduos presos na ocasião – M.R. e A.L.
– a PJ prosseguiu no entanto as investigações. El Dezembro passado voltou a
prender M.Q. de A., o gerente da D., A.S., e mais dois funcionários da
empresa. Em Dezembro passado voltou a prender M.Q. de A., o pai, J.Q. de A., o
tio, C.Q. de A., o gerente, A.S., e mais dois funcionários da empresa.
Numa
operação surpreendente, a PJ ocupou as instalações da empresa, na Rua Rosa
Araújo, em Lisboa, e um escritório ligado à DOPA instalado no edifício
Franjinhas, na Rua Braamcamp. Durante alguns dias, agentes da PJ mantiveram-se
nas instalações da empresa, substituindo os funcionários detidos e assegurando
o expediente. Foi assim possível identificar grande número de clientes desta
sociedade de dragagens… de capitais.
«Dragagem» de capitais
Grande
parte do dinheiro «dragado» pela DOPA provinha de negócios de lucro rápido, fácil e abundante, alguns dos quais
financiados com capitais obtidos na banca. Mas a DOPA encarregava-se igualmente
de transferir outro tipo de poupanças. A lista dos seus clientes, designados "correntistas", inclui dezenas
de figuras gradas da vida política, económica e social.
Em
Novembro de 1983 calculava-se em mais de 400 milhões de contos o total dos depósitos
de portugueses em bancos estrangeiros, particularmente na Suíça. Tal soma deve
ter-se elevado grandemente desde então porque a legislação sobre a matéria o facilitou,
por acção e omissão. Mas o vazio legal não explica tudo. Com leis sobre a
matéria novamente em vigor, apenas nos três dias que permaneceram nos balcões
na DOPA os agentes da PJ travaram a evasão de mais de 20 mil contos.
O
processo do caso DOPA está neste momento em fase de instrução preparatória, mantendo-se
sob prisão seis indivíduos. Só foi libertado um dos funcionários da DOPA. O
gerente de Mira do BPSM, J.L.B.C., que desaparecera, foi entretanto preso no
Brasil, aguardando-se a extradição para Portugal.
Nesta
fase, segundo uma informação prestada pela PJ a «o diário», «visa-se reunir
elementos de indiciação necessários para fundamentar a acusação», pelo que
estão a ser ouvidas todas as pessoas cujo testemunho possa revelar-se útil para
a descoberta da verdade, independentemente do seu envolvimento».
Quanto
aos ilustres clientes da DOPA, a PJ não revela a sua identidade, mas no âmbito
das investigações trata os "correntistas" por uma designação comum: suspeitos.
***********
A
reportagem deste caso de polícia prosseguiu nas edições de “o diário” de 14, 17
e 18 de Fevereiro de 1985 e, mais tarde, com a cobertura do julgamento, a
partir de Outubro de 1987 no Tribunal da Boa Hora.
Embora
o Governo tenha desmentido a notícia e negado o envolvimento de qualquer dos
seus membros no caso, o ministro em causa apresentou a demissão.
A
investigação posterior de “o diário” revelou que mais de 300
clientes da empresa DOPA mantinham contas correntes abertas na companhia, com os valores
depositados, em escudos ou divisas, os movimentos ilegais de transferências
para o estrangeiro, os juros auferidos por uma actividade parabancária ilegal. Três
dos «correntistas» - como eram designados na investigação policial –
abandonaram o País.
O
Ministério Público levou a julgamento 253 "correntistas" da DOPA, que nunca
foram julgados: bastava faltar um, a cada sessão do julgamento, para a
diligência ser adiada. Até que o processo prescreveu.
O
ministro foi deixado cair pelos seus pares e julgado separadamente, na Boa Hora, absolvido
em primeira instância, posteriormente condenado. Foi um homem só, deixado cair, dado à queima pelos que passaram pelas malhas da justiça, que enfrentou sozinho os juízes. Era um homem de outra linhagem.
“o diário”
teve acesso à lista de “correntistas” desde que foi elaborada pela investigação policial e
jamais a divulgou. Alguns jornais publicaram “listas” de “correntistas”, no que mais pareciam ajustes de contas ou denúncia de concorrências; alguns
nomes foram sempre poupados em todas essas denúncias.
O
caso prolongou-se dentro e fora do tribunal. O próprio juiz de julgamento foi envolvido
no processo por acusações de uma funcionária judicial, levando sete anos, 1988 –
1995, para conseguir limpar o seu nome. Entretanto, o Governo despenalizara a exportação de dinheiro.
Sem comentários:
Enviar um comentário