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domingo, 1 de abril de 2018

O ano da morte do general Humberto Delgado

Obviamente, demito-o! 
            O general Humberto Delgado foi assassinado em 13 de Fevereiro de 1965. 
O regime de Salazar não permitiu que o general chegasse ao termo do mandato do seu opositor, Américo Thomaz, nas eleições roubadas de 1958. Em 1965 havia eleições presidenciais e a memória da campanha de 1958 atormentava o regime. Salazar prevenira-se contra a repetição do susto que apanhara em 1958 mudando as regras do jogo: o sucessor de Américo Thomaz seria escolhido por um colégio eleitoral reservado aos círculos íntimos do poder.


Mas o irrequieto «general sem medo» continuava a conspirar, atormentando a rotina de Salazar e do regime. Porém, o percurso do general estava armadilhado e a denominada Operação Outono, autorizada por Lisboa e planeada a partir de Roma, estava em marcha acelerada. Em Fevereiro de 1965, o general Humberto Delgado avançou para Badajoz, ao encontro de supostos oposicionistas ao regime, na verdade um encontro com a PIDE e com a morte. 
A campanha

1965, 24 de Fevereiro - Citando um porta-voz do general em Argel, a AFP diz que Delgado «terá sido preso em Espanha no dia 14 de Fevereiro».
8 a 12 de Março - O vice-presidente do governo espanhol, capitão-general Muñoz Grandes, visita Lisboa e encontra-se a sós com Salazar. A notícia circula pela AFP.
18 de Março - A France Press, em despacho datado de Caracas,  cita parlamentares venezuelanos do Comité para a Libertação de Portugal que falam, pela primeira vez, da possibilidade de Humberto Delgado ter sido assassinado. O general teria sido preso pela Guarda Civil, em Badajoz, a 14 de Fevereiro, e entregue à PIDE que o teria assassinado. A agência acrescenta que o governo de Lisboa desmente «categoricamente» que agentes da polícia portuguesa se tivessem deslocado à região de Badajoz nos últimos tempos.
21 de Março - A Agência Nacional de Informação (ANI)  põe a circular que Delgado se encontra em Praga, «quase prisioneiro», em regime de «exílio forçado». Segundo a ANI, o general preparar-se-ia para reaparecer numa capital europeia e declarar que se evadira de uma prisão portuguesa.
O outro lado da campanha
22 de Março - O correspondente da Associated Press em Lisboa admite que Delgado prepare uma acção espectacular num ano de eleições presidenciais e legislativas.
O jornal espanhol ABC escreve que o general se encontra em Praga, a fim de ser submetido a uma cirurgia plástica destinada a alterar-lhe o rosto.
23 de Março - A AFP obtém uma declaração oficial da Embaixada de Portugal em Roma: as autoridades portuguesas declaram-se completamente alheias ao desaparecimento de Delgado.
27 de Março - A Reuter torna pública uma declaração do porta-voz do Ministério da Informação de Espanha: Madrid nega que a polícia espanhola tenha prendido o general Humberto Delgado. E a AFP cita «círculos da oposição portuguesa no Rio de Janeiro», segundo os quais o general estaria preso no Forte de S. Julião da Barra, perto de Lisboa.
12 de Abril - A UPI cita o correspondente em Milão do jornal La Suisse: Delgado teria sido submetido a uma intervenção cirúrgica em Roma e estaria em convalescença numa clínica de Milão. A polícia milanesa teria mesmo lançado uma operação de busca «a fim de proteger o general de um eventual atentado».
25 de Abril – Os corpos de Humberto Delgado e de Arajarir Campos são encontrados por um pastor em Malos Pasos, perto da fronteira portuguesa. As autópsias vêm a revelar que a morte do general resultou de lesões cerebrais provocadas pelo impacto e trajecto de balas. Arajarir Campos apresentava fracturas das vértebras cervicais, atribuindo-se a morte a estrangulamento.
Segundo o historiador espanhol Juan Carlos Jimenez, os corpos teriam sido descobertos e identificados no dia 4 de Abril, tendo as autoridades de Madrid procedido a uma «encenação» para atrasar a revelação do crime, preservando assim os interesses das autoridades de Lisboa.
Malos Pasos
            28 de Abril – As agências EFE e AFP anunciam que os corpos do general Humberto Delgado e da sua secretária foram encontrados perto de Vilanueva del Fresno, junto à fronteira de Espanha com Portugal. A notícia é cortada pela censura.
            O Diário da Manhã interroga-se: «Delgado teria sido assassinado pelos comunistas?».
            Mário Soares e Abranches Ferrão são constituídos advogados da família do general.
            29 de Abril – O Século e a República publicam textos idênticos anunciando o aparecimento de um cadáver, junto à fronteira, que se supunha ser de Humberto Delgado, e admitindo que o general podia ter sido executado pelos comunistas.
30 de Abril - A AP cita o Diário da Manhã, órgão da União Nacional, segundo o qual o general teria sido vítima «dos comunistas, de agentes da Índia que ocuparam Goa, ou do rebelde anti-angolano Holden Roberto». Em despacho de Madrid, a AFP acrescenta que o governo espanhol nega que tivesse conhecimento da estadia do general em território espanhol.
            4 de Maio - A Reuter revela que a viúva de Humberto Delgado, acompanhada pelo seu advogado, Mário Soares, se deslocou a Badajoz, onde terá prestado esclarecimentos com vista à identificação do corpo do general.
8 de Maio - A AFP divulga um comunicado oficial, em Madrid: o juiz encarregado da instrução do processo identificou um dos corpos como sendo o do general Humberto Delgado.
23 de Junho – A União Nacional anuncia a candidatura do almirante Américo Thomaz à Presidência da República.
25 de Julho – Um colégio eleitoral, constituído pelos deputados da Assembleia Nacional e os procuradores da Câmara Corporativa, elegem, com 13 votos nulos, o almirante Américo Thomaz para novo mandato presidencial.
14 de Agosto - A partir de Madrid, a AFP diz que o advogado espanhol Mariano Robles, que acompanhou Mário Soares numa visita a Badajoz, vai reclamar a abertura de um inquérito internacional a fim de «esclarecer o papel de certos funcionários portugueses» no assassínio do general.
5 de Novembro -  Salazar fala ao país pela rádio e televisão, abordando, pela primeira e única vez em público, o caso Delgado. Na véspera das eleições para a Assembleia Nacional, o chefe do governo aproveita para afirmar que a morte de Humberto Delgado «só poderá ter aproveitado à oposição portuguesa».

AMANHÃ: A PIDE 
não conspirou sozinha

João Paulo Guerra em Diário Económico, Fevereiro de 1998, 
nos 40 anos da campanha do general Humberto Delgado

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