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As fotos são de arquivos na internet (A foto da bandeira de Angola na fronteira sul com a Namíbia é dos arquivos do autor).
O angolano Nendela Amorim Liahuca faz 40 anos em 2001. Tantos como a guerra em Angola. A vida da sua família é a história de 40 anos de guerra no seu país.
A guerra em Angola começou há 40
anos, em 4 de Fevereiro de 1961. Em Junho desse ano Nendela fugiu de Portugal
para França na barriga da mãe. Nasceu em Julho, em Versalhes, filho de José
João Liahuca, médico formado em Lisboa, e de Maria Virgínia Graça Amorim
Liahuca, estudante de enfermagem. Faziam parte de um de três grupos de
estudantes africanos que, nesse ano, bateram com a porta da capital do Império.
Seria um escândalo, se a Censura deixasse passar a notícia mas foi, mesmo assim, uma bofetada na
cara do regime.
De França, a família Liahuca – pai,
mãe, o pequeno Nendela e a tia Maria Amorim, santomense como Maria Virgínia –
seguiu para o Congo-Leopoldeville, rectaguarda da guerra em Angola. O pai foi
dirigente da UPA – União dos Povos de Angola, fundador da FNLA – Frente de
Libertação Nacional de Angola e ministro do GRAE – Governo Revolucionário de
Angola no Exílio. Nendela tinha três anos quando se deu uma grande cisão na
FNLA e a família seguiu o grupo que rompeu com Holden Roberto, refugiando-se no
Congo-Brazzaville. Foi só atravessar o rio Zaire. Nendela recorda-se que na sua
canoa viajava o dissidente ministro dos Negócios Estrangeiros do GRAE, Jonas
Savimbi.
Em Brazzaville, o pai Liahuca
manteve-se ligado ao grupo de Savimbi que lançou o Manifesto aos Amigos de
Angola – AMANGOLA e tentou uma aproximação ao MPLA. Nendela guarda desses
tempos uma memória de criança. Mas recorda-se que «havia problemas» entre os
grupos de nacionalistas angolanos, dentro de cada grupo e na família.
Quando se deu o 25 de Abril a
família Liahuca vivia em Ponta Negra, onde o pai exercia medicina. José Liahuca
ainda participou no Congresso do MPLA, de Setembro desse ano, como convidado do
grupo da Revolta Activa, de Mário Pinto de Andrade. Mas faleceu logo em
seguida. Nendela, que já tinha então um irmão e uma irmã, ficou em Ponta Negra
com a mãe e a tia, até que o tio António Liahuca e o primo mais velho, Joaquim
Cuianga, os foram buscar. Em Dezembro de 1974, Nendela foi conhecer o seu grande país
e a sua grande família.
O patriarca, o «Mais Velho», era o
avô Paulino Ngonga Liahuca, reverendo evangélico na missão de Elende, no Cuma,
Huambo, onde vivia com a avó Sofia, seu segundo casamento, seis tios de Nendela
- Lutock, Vandela, Lídia, Toni, Sara e Aurora – e um batalhão de primos e
primas. Por essa altura já se falava de política e o avô Paulino tinha que impor
o respeito para evitar que se azedasse a discussão entre adeptos do MPLA, da
FNLA e da UNITA, estes em maior número por identificação étnica. Os Liahuca são
ovimbundus, do Planalto Central de Angola.
Quando em 11 de Novembro de 1975
Agostinho Neto proclamou a República Popular de Angola, em Luanda, Nendela
vivia na região onde a UNITA e a FNLA se aliaram para proclamar uma outra
República. Mas a aliança acabou no dia seguinte. A UNITA expulsou a FNLA do
Huambo e aí a guerra entrou na família. Por exemplo: o tio Domingos Culolo,
casado com a irmã mais nova do pai de Nendela, era delegado da FNLA no Huambo.
Foi preso pelos da UNITA, por ser da FNLA, mas veio a ser libertado por
influência dos membros da família adeptos de Savimbi. Quando o MPLA e os cubanos
recuperaram o Huambo, em Fevereiro de 1976, Domingos Culolo foi de novo preso.
Mas, o que lá vai, lá vai. Hoje, Domingos Culolo é o Procurador-Geral de Angola.
Nendela recorda-se da chegada do
MPLA e dos cubanos. Como também se lembra do último comício de Savimbi no
Huambo, poucos dias antes. O presidente da UNITA disse que o MPLA só entraria
no Huambo por cima do seu cadáver. Mas deixou a cidade nesse mesmo dia e o MPLA
entrou dias depois. Dos familiares de Nendela que pertenciam à UNITA, uns foram
presos para S. Nicolau, outro seguiram na «grande marcha» dos partidários de
Savimbi para o sul. Foi o caso dos tios Lutock e Toni que chegaram ambos a
generais do Galo Negro. Hoje, Lutock é inspector-geral adjunto das FAA, ao
passo que Toni estará em Maweba, na Zâmbia, num campo de refugiados, segundo um
vago postal que a família recebeu da Cruz Vermelha.
Em Maio de 1977 Nendela aderiu à JMPLA. Militava no
Departamento de Informação e Propaganda do Huambo. Soube da tentativa de golpe
de Nito Alves em Luanda no dia seguinte, por conversas durante a festa de
aniversário da irmã, Visolela. Quase todos os seus camaradas da Jota do Huambo
foram presos ou mortos na repressão que se seguiu à aventura «nitista». Por
essa altura, apenas com 16 anos, Nendela alistou-se como voluntário na Força
Aérea Angolana. Esteve dois anos em Luanda mas não chegou a tirar qualquer
especialidade. E foi em Luanda que frequentou o Instituto Politécnico
Makarenko, onde recebeu formação de cooperantes búlgaros e portugueses. Viveu
entre Luanda e o Huambo, de 1979 – o ano da morte de Agostinho Neto – a 82. E
foi tendo notícias vagas dos familiares que tinham seguido com a UNITA para o
Sul. Uma das tias vive na Namíbia, outra morreu na Jamba.
Em 1982, com uma autorização para
uma viagem turística no passaporte, Nendele veio a Portugal e ficou. Por cá só
tinha então uma tia, irmã gémea da mãe, que fugira de S. Tomé quando o marido
foi acusado de conspirar contra o regime do MLSTP. O mesmo regime do qual a tia
Maria Amorim foi a primeira embaixadora em Lisboa e, mais tarde, ministra dos
Negócios Estrangeiros. Em 1984 juntaram-se-lhe os dois irmãos e mais tarde a
mãe.
De então para cá tem voltado por
diversas vezes a Angola. Em 1992, nas eleições, esteve no Huambo, como
representante da candidatura de Daniel Chipenda à Presidência. Em Lisboa,
interessa-se pelo que se passa em Angola e mantém-se informado. É membro da
Associação Cívica Angolana – ACA, fundada por Joaquim Pinto de Andrade.
Em 1990 licenciou-se em engenharia
electrotécnica, pelo IST. É hoje engenheiro no departamento técnico da Portugal
Telecom. Em 91 casou-se com Luísa Menezes Liahuca, angolana de Luanda e
finalista de economia em Lisboa, sobrinha de Hugo Menezes, um dos fundadores do
MPLA. Têm um filho, o Mauro, de sete anos, que não conhece Angola. A verdade é
que o pai só conheceu o seu país aos
treze.
Nendela Amorim Liahuca é um
elemento activo na vasta comunidade angolana em Portugal – serão uns 15.000.
Desempenha as funções de vice-presidente da ACIMA – Associação de Coordenação e
Integração dos Migrantes Angolanos. A língua portuguesa facilita mas Nendela
não diz que a integração é fácil. Diz que é «não difícil». A verdade é que, cá
como lá, o racismo existe. É uma comunidade dividida, como Angola, entre os
adeptos do Governo e os da UNITA. A maioria, segundo Nendela, pensa que «as
coisas não estão bem», mas considera também que «pela violência e pela guerra
nada se resolve». E para a generalidade dos angolanos da comunidade, as
divergências não resistem a um bom convívio e a uma «funjada» ao domingo.
Nendela tem um convite para
trabalhar em Angola e admite voltar. A verdade é que, embora devastada por 40
anos de guerra e colocada no fundo da escala mundial do desenvolvimento apesar
da sua imensa riqueza, Angola é o seu país. Em comum, Nendela Amorim Liahuca e Angola têm 40
anos de história e de guerra.
João Paulo Guerra,
Diário Económico, 3 Fevereiro 2001
Diário Económico, 3 Fevereiro 2001
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