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quarta-feira, 23 de novembro de 2016

DIAS DA RÁDIO

O Serviço de Noticiários do RCP
nas páginas da revista Antena: Luís Filipe Costa,
Paulo Fernando, Manuel Bravo e Firmino Antunes.
João Paulo Guerra, Carlos Manuel e Fernando Quinas. 


textos de João Paulo Guerra,
2011 / 2012, 
no blogue 

“KUANDO OS RÁDIOS ERAM CLUBES”, 

de PAULO 
"Tac Tac" FERNANDO





Nos idos de 60/70, como grande parte dos jovens desse tempo, houve uma fase em que usei grandes barbas e cabelame que me faziam parecido com o baterista dos Marretas. A verdade é que ninguém tinha nada com isso. E menos ainda o director dos serviços de censura interna do RCP, António Augusto Moita de Deus, o Arbusto Divino, ou o Moita-Carrasco, conforme os gostos. Ele que cortasse textos ou fitas de arrasto; na minha barba e cabelo não tocava.

Pois certa vez, estando eu a tomar um abatanado no bar O Coice, lugar mal frequentado por gente de rádio e acompanhantes, entrou o Moita e rosnou, como era seu timbre. Vinha sozinho. A esposa também frequentava O Coice, onde pedia habitualmente uma sandes aparada e, para beber, um Triplice, assim chamado em português corrente ao licoroso Triple sec. Verdade. Há testemunhas.
Ora naquele dia, o Moita, que ainda não tinha embirrado com ninguém, decidiu investir contra mim.
- Você, ahn, com esses cabelos e essas barbas, ahn, qualquer dia nem as mulheres olham para si.
Respondi-lhe delicadamente, em voz muito baixa:
- Elas não olhariam para mim se eu fosse…
E depois, colocando e elevando bem a voz de locutor:
- … Estúpido.
O pessoal que frequentava O Coice naquele momento só ouviu a última palavra, gritada sonoramente na cara de Moita. E então não é que ficou a constar no Rádio que eu tinha chamado estúpido ao Senhor Moita de Deus?
Mas eu era lá capaz de chamar estúpido ao estúpido do director da censura?!
j.p.g.
QUINTA-FEIRA, 3 DE NOVEMBRO DE 2011

Kuando Moita se sentia em apertos, chamava pelo Dr. Martinha, uma espécie de delegado do governo junto do RCP.
E Moita de Deus chamou o Dr. Martinha kuando não soube o que fazer com uma entrevista a José Cardoso Pires, no lançamento de O Delfim. Ouviram e voltaram a ouvir a entrevista, montada com a leitura de excertos do romance, e não sabiam o que cortar. Por fim, comunicaram-me que a entrevista era autorizada, mas com o corte de uma passagem de texto do romance. Ao que lhes respondi que teriam que falar com o autor do livro, pois iam cortar uma passagem de um texto publicado.

Cardoso Pires acedeu deslocar-se ao RCP - onde aliás passava com frequência - e deu a volta às cabeças dos censores. Passou tudo: o discurso directo da entrevista e o discurso indirecto do romance. Inclusive a frase em que os censores pressentiam um sentido oculto: «Espalmada na inscrição imperial, havia uma lagartixa. Parda, imóvel, parecia um estilhaço de pedra (…) um estilhaço sensível e vivaz debaixo daquele sono aparente. Pensei: o tempo, o nosso tempo amesquinhado».
O Moita era intocável. Mas nem o Martinha era inquebrável… j.p.g.
SEXTA-FEIRA, 4 DE NOVEMBRO DE 2011

Aos domingos, no RCP, houve durante algum tempo um grande noticiário de informação desportiva lido a duas vozes. A recolha da informação era do Firmino Antunes, que sacava resultados de clubes quase desconhecidos em modalidades e escalões praticamente ignorados. Estava lá tudo. Quanto às duas vozes eram de quem calhava de serviço. Certa vez, estavam de plantão ao noticiário o Paulo Fernando e o João Paulo Guerra, escasseava a informação de outras modalidades mas abundava a da Volta a Portugal em Bicicleta. Lemos a classificação da etapa até ao vigésimo lugar e… não resistimos:
Os ciclistas Paulo Fernando e João Paulo Guerra na actualidade

11º Paulo Fernando, disse o João Paulo; 12º João Paulo Guerra, respondeu o Paulo; nos lugares seguintes entraram os técnicos de serviço do outro lado do vidro, o Oliveira, o Gomes ou o Leal, de serviço à portaria, o Barata, atarantado atrás do balcão do bar. E ao 20 º lugar lá retomámos a classificação real: 20º Perna de Coelho, disse o Paulo Fernando, acrescentando apenas um de ao nome de um conhecido ciclista do Benfica, Joaquim Dionísio Perna Coelho.
Perguntarão: então e a direcção, não deu por nada? Deu. Ligou um director, o Moita, o da Censura, a perguntar que brincadeira era aquela? Como se houvesse algum ciclista chamado Perna de Coelho, ou Perna Coelho, ou lá o que era!? Com certeza. Paulo Fernando e João Paulo Guerra é que eram ciclistas de grande pedalada, com certeza. Jpg
QUARTA-FEIRA, 9 DE NOVEMBRO DE 2011

António Videira, João Paulo Guerra, Luís Filipe Costa,
João Macieira de Barros e Paulo Fernando
O RCP chegou a ter quatro trabalhadores em comissões simultâneas de serviço militar em África: João, Óscar, Rui e jp, eu próprio. Em Dezembro de 1966 recebemos um programa de Natal gravado em Lisboa pela nata do pessoal do RCP e dedicado à malta da tropa.
Eram duas bobinas de fita de arrasto e eu não sabia como ouvi-las, lá, em Nampula. Até que o meu comandante de companhia me anunciou que tinha em casa um gravador de fita e era só questão de combinarmos o serão. O capitão juntou a família e eu cheguei com as bobinas. A primeira frase levou-me, porém, a carregar apressadamente no stop. Era a voz do Fernando Curado Ribeiro que lançava o aviso à navegação: «Afastem as mulheres e as crianças».
Cândido Mota, Luís Filipe Costa,
João Macieira, Paulo Fernando e JP Guerra

Conhecendo, como conhecia, o pessoal do RCP, pensei que seria recomendável seguir o conselho. Como se comprovou quando eu e o capitão ouvimos sozinhos as rubricas de um programa para adultos e com sérias reservas. Do melhor em termos técnicos e de arrebimba-o-malho em matéria de conteúdo. 
LuÍs Filipe Co
Exemplos: o Luís Filipe Costa recitava A Porra do Soriano, de Guerra Junqueiro: «Eu canto do Soriano o singular mangalho…» O Paulo Fernando declamava quadras de sua autoria, como esta: «Óscar, grande Óscar // sempre alegre e folgazão // amigo e companheiro // sempre cheio de tesão (Nota: as sopeiras do snack tasca que o digam)». Jpg
SEGUNDA-FEIRA, 14 DE NOVEMBRO DE 2011


Kuando os rádios eram clubes a radiodifusão não teria cursos nem diplomas, o que não significa que não tivesse criado escola, estilos e memória. E que não seguisse uma teoria e uma prática da escrita e da linguagem. Jaime da Silva Pinto (na foto ao lado), um dos mais antigos dos nossos mestres no velho RCP, não perorava sobre teorias. Mas ainda hoje não haverá assim muitos exemplos de quem, como ele, dominasse a técnica de contar uma história através da rádio. "Era uma vez..."
Bom, eu comecei, outros que sigam a história. Porque sobre o bom e velho Jaime da Silva Pinto muitas histórias haverá para contar. JPG 
SÁBADO, 24 DE DEZEMBRO DE 2011

João Paulo Guerra, Paul McCartney,
João Mendes Martins, Óscar Araújo
Em Dezembro de 1968, uma breve na capa do Diário Popular chamou-me a atenção para a chegada de Paul McCartney ao aeroporto de Faro. Eu trabalhava no PBX e vi ali a hipótese de um grande furo. Desafiei o João Mendes Martins, do Impacto, cravámos apoio técnico e boleia ao Óscar Araújo e pela madrugada partimos para o Algarve, apertados no Carmen Ghia do Óscar. Foi quase à sorte que decidimos começar pelo Barlavento, à procura de um Beatle nos 150 quilómetros da costa algarvia, e que exlcuímos as praias mais frias perto de Sagres. Seriam umas 8h 30m quando parámos na Praia da Luz para o pequeno-almoço.
 porta do café, com vista para a praia, um motorista de táxi lia o Popular da véspera. Metermos conversa: "Então já viu que um dos Beatles anda aqui pelo Algarve?" Íamos caindo para o lado quando o motorista respondeu que até admitia que o Beatle estivesse ali mesmo, pois na casa sobre o areal vivia um ingês ligado aos famosos músicos de Liverpool.
Encontrar Paul McCartney já seria um achado. Encontrá-lo à primeira seria a sorte grande.
João Paulo Guerra, na foto com Paul McCartney (continua nos comentários)
Linda Eastman McCartney fotografa Óscar Araújo, Paul e João Mendes Martins
e são todos fotografados por Inácio Gravanita, fotógrafo do turismo local
A dona do café confirmou-nos que na casa vivia um jornalista inglês, autor da biografia oficial dos Beatles. A mulher do inglês era freguesa do minimercado anexo ao café, onde costumava comprar pão pelas 10 da manhã. E às 10, com pontualidade britânica, a senhora apareceu. Saimos-lhe ao caminho: "Sabemos que o Paul McCartney está em sua casa. Queremos uma entrevista". A inglesa respondeu, simplesmente, que o Paul e familia tinham combinado ir até à praia pelas 11 da manhã. Era connosco. Pouco passava das 11 quando um grupo de adultos e crianças saiu de casa e assentou arreais na Para da Luz.  JPG (continua)
Quando Paul, Linda, o outro casal e a miudagem se instalaram na praia a entrevista já estava apalavrada com o Beatle. Muito afável e comunicativo, Paul acedeu a dar a entrevista que se prolongou por cerca de uma hora. 
Passava pouco do meio dia estávamos a ligar para Lisboa: "Temos a entrevista". Ninguém quis acreditar. Mas nessa noite, no PBX, montada em directo, a entrevista foi para o ar. 
Perdi a gravação mas o José Nuno Martins encontrou-a nos arquivos do Luís Alcobia. Não voltei a ver o Paul. E há muito tempo que não vejo nem o Mendes Martins nem o Óscar Araújo. 
Também não vejo nada parecido com aqueles tempos loucos e heróicos. JPG
SÁBADO, 21 DE JANEIRO DE 2012

Este blog ficava garantido até ao fim dos tempos se conseguisse contar por inteiro a história que envolveu um jovem estagiário do início dos anos 60, mais tarde editor de um jornal de referência, num caso que John Le Carré não desdenharia ter inventado. Uma história de kuando os rádios eram clubes. Tudo começou na sala onde então funcionavam os Noticiários do Rádio Clube Português. O jovem entrou com o ar despachado de repórter de banda desenhada e perguntou, como usava fazer: "Então o que é que há?" Suponho que o pontapé de saída partiu do Paulo Fernando, inventando em directo e ao vivo uma estranha história de espionagem, com escala por Lisboa, onde se acoitava um cientista criador de um engenho que sugava submarinos no Mediterrâneo. O Luís Filipe Costa continuou: a Censura não deixava dar a notícia, pois o almirante Tomás partira nesse dia por via marítima para S. Tomé onde, mal ele saberia, iria desembarcar heroicamente na praia do Pantufo.
Américo Tomás de regresso do Pantufo 
O jovem estagiário - que não era propriamente estagiário do Rádio mas apenas alguém disponível para cobrir umas sobras da agenda -, estava em pulgas. Situação que o Paulo Fernando exacerbou descobrindo o endereço do cientista na lista dos telefones: aquilo era a guerra do Médio Oriente ao vivo em Lisboa. O jovem lá se meteu a caminho, de gravador pronto a entrevistar o cientista. Voltou desanimado: no endereço em questão bateram-lhe com a porta na cara, pois ninguém admite às boas a condição de cientista que suga submarinos no Mediterrâneo.
O caso prosseguiu durante mais de um mês, envolvendo grande parte do pessoal do Rádio e amigos nossos do Diário de Notícias e da TAP - o que permitiu a internacionalização do conflito. O jovem tanto recebia ofertas milionárias pela "reportagem" que não tinha como ameaças de morte, chegando mesmo a ser seguido durante dias por um indivíduo com pinta árabe, transportando uma caixa de violino, isto é, uma metralhadora.  De meia em meia hora ligava para o rádio a dizer onde estava e para onde ia. Alguém lhe explicou piedosamente: "assim, kuando fores raptado, sabemos mais ou menos o local e a hora". E a brincadeira assumiu tais proporções que kuando a quisemos desmentir... não conseguimos explicar toda a trama que lançáramos e da qual perdêramos a mão. Ou o pé.
João Paulo Guerra (e agora, haja quem siga a história)
SEXTA-FEIRA, 27 DE JANEIRO DE 2012

Fialho Gouveia e Carlos Cruz 
Kuando os rádios eram clubes houve um programa intitulado PBX: Carlos Cruz, Fialho Gouveia, José Nuno Martins, Rui Pedro, João Paulo Guerra, Alberto Moreno, Fernando Jorge, Luís Alcobia, José Ribeiro, Alfredo Alvela, Rui de Melo, Humberto Branco, Paulo "electrónico" Morais, um luxo. Cá por mim, no PBX fazia tudo: cabine e reportagem. E foi como repórter que um dia saí à rua para fazer a reportagem de um inesperado dia de neve em Lisboa.
A neve dá alguma euforia às pessoas e toda a gente dizia e fazia coisas que habitualmente não faz, o que muito enriquecia a reportagem. Mas o máximo aconteceu no exterior da estação do Rossio, onde consegui convencer um agente da Polícia a declamar para o gravador a Balada da Neve, de Augusto Gil, da qual o cívico, com alguma ajuda que lhe dei, se recordava dos tempos da escola primária.
Fialho Gouveia, João Paulo Guerra,
José Nuno Martins
E era ver a cara das pessoas que entravam e saiam da estação, a observar um polícia, de microfone em riste a declamar em voz bem audível e em diferentes tons, repetindo pausadamente o mesmo verso do poema - "batem leve, levemente..." - sublinhado com gestos a condizer: "Batem leve, levemente...", "Batem leve, levemente...", etc.
E o pessoal a lembrar-se quão levemente eles batiam quando soava a hora do chanfalho. JPG 
QUINTA-FEIRA, 22 DE MARÇO DE 2012

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