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Joaquim Jesus, 52 anos, à espera da reforma no inferno |
e Bruno Neves, fotos,
o diário, 27 de Maio de 1981
Porto
(da nossa delegação) – Descendo ao fundo das Minas do Pejão, seguindo pela
galeria principal do sexto piso abaixo do chão, a 300 metros, encontra-se a
travessa 606. É a sala de visitas do fundo da mina. «Aqui ainda chega a
ventilação», explica um dos guias da reportagem, mineiro, 35 anos de idade, 20
por cento de silicose.
Depois
de uma zona molhada, com a humidade a escorrer pelas paredes e a lama a chegar
acima dos tornozelos, de súbito, numa curva da travessa, uma zona seca. Os
focos da lanterna do capacete recortam no ar infinitas partículas de pó.
Respira-se com dificuldade. Depois, sobe-se ainda pelos inclinados que partem
da travessa, pequenos túneis, irregulares, por vezes com pouco mais de um metro
de altura.
A
temperatura atinge os 40 graus. O pó da mina cola-se ao suor. É insuportável.
«Por vezes, nós próprios não aguentamos o calor e o pó. De dez em dez minutos
temos que lavar a cara para tirar o pó das narinas», diz outro dos mineiros.
«Chamamos a isto a zona do inferno», acrescenta.
A
subida pelos inclinados, como a descida, é perigosa. As capas dos quadros de
sustentação das paredes da mina parecem sempre prestes a ceder. A escuridão é
total. O ruído dos martelos com que se desmonta o mineral é ensurdecedor. Ao
longo dos inclinados, por caleiras de aço, escorrem velozes as pedras de
antracite. «Hoje mesmo, caiu uma pedra aí com 150 quilos à frente de um grupo
de mineiros. Safaram-se por pouco», conta ainda um outro mineiro.
É
neste cenário, neste ambiente, neste pó, neste calor, que 600 homens trabalham
8 horas por dia, todos os dias, meses, anos, vidas.
A
Carbonífera do Douro, concessionária do couto mineiro do Pejão, é actualmente a
única empresa de extracção de carvão que se encontra em laboração em Portugal.
Produz mensalmente cerca de 20 mil toneladas de antracite e tem garantido o
escoamento de toda a produção: 90 por cento para a central térmica da Tapada do
Outeiro, localizada a 15 km da boca da mina, e 10 por cento para a indústria
dos cimentos. Preço de venda, 2.179 escudos a tonelada. A empresa contabiliza
por mês na ordem dos 40 mil contos e, de há dois anos dá lucros: 16
mil contos no ano passado.
Até
1976 a empresa pertencia à Societè Financiere des Mines, do Luxemburgo. Aliás,
o subsolo português estava, antes do 25 de Abril, dominado em grande parte por
capitais estrangeiros e pelos grupos CUF e Champalimaud. Hoje, a Carbonífera do
Douro, embora continue com estatuto de empresa privada, tem 100 por cento de
capital público e está sob o controlo do Instituto de Participações do Estado,
que nomeia a administração.
Mais
20 anos para tirar carvão
Localizadas
em Germunde, freguesia de Pedorido, Castelo de Paiva, na bacia carbonífera do Douro, que se estende de
Vila do Conde em direcção a Viseu ao longo de 65 quilómetros, as minas do Pejão
têm reservas de antracite estimadas em 5 milhões de toneladas. Dos seis pisos
abertos no solo, de 50 em 50 metros, os quatro primeiros encontram-se já
esgotados. As reservas de mineral dão no entanto para abrir outros seis pisos,
isto é, para descer até aos 600 metros, e para prosseguir a exploração no local
por mais vinte anos. A empresa conta iniciar em meados de 1982 a traçagem do
sétimo piso para começar a tirar carvão no ano seguinte.
Antes
do 25 de Abril, a empresa esteve à beira do encerramento, seguindo assim o
destino das Minas de São Pedro da Cova, da Companhia de Carvões do Cabo Mondego
e das minas de lenhite de Rio Maior, condenadas pela lógica da concorrência e
da concentração monopolista. Depois de Abril, os trabalhadores conseguiram dar
nova vida e perspectivas às Minas do Pejão, assegurando e aumentando o número de
postos de trabalho. A empresa emprega hoje 1.160 trabalhadores, 685 dos quais
são mineiros, o que representa cerca de 8 por cento do total de emprego na indústria extractiva.
O
recrutamento de mão-de-obra volta hoje a ser difícil, tal como o era antes de
Abril de 1974. Os jovens encaram o trabalho na mina como transitório, se não
encontram ou enquanto não encontram trabalho menos duro e mais compensador. No
Pejão, 102 mineiros têm mais de 50 anos, 220 têm entre 40 e 50.
O
trabalho na mina não exige à partida qualquer qualificação especial. Pede-se
força bruta e resistência física. A percentagem de analfabetos é elevadíssima
entre os mineiros, mesmo entre jovens com 18 e 20 anos. No ano passado, nas
Minas do Pejão, de 400 trabalhadores que subscreveram um abaixo-assinado
reivindicativo, cerca de 150 assinaram com a impressão digital e, entre os outros,
muitos não sabiam mais do que escrever o nome.
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Oito horas e mais meia para almoçar |
Silicose
e outros males
Toda
a gente está de acordo em considerar a profissão de mineiro como uma das mais
duras e perigosas. No Pejão regista-se uma média mensal de doze acidentes
causadores de incapacidade temporária para o trabalho. No contencioso do
Sindicato, 70 por cento dos processos dizem respeito a acidentes. No entanto,
nos últimos cinco anos, registou-se um único acidente mortal.
No
fundo da mina as temperaturas são muito elevadas e o grau de empoeiramento é
muito grande. Cerca de 60 por cento dos mineiros estão atacados, em maior ou
menor percentagem, pela silicose. No fundo da mina trabalham ainda mineiros com
40 por cento de silicose e no exterior com 60 por cento. Nos termos da
legislação, a silicose «é uma afecção pulmonar devida à inalação de poeiras
contendo sílica». Diz também a lei que «nas minas e nos outros locais em que
existe o risco de silicose devem ser organizados serviços médicos apropriados»
e que em empresas com mais de 500 trabalhadores «os serviços médicos serão
privativos».
O
Sindicato dos Mineiros do Norte responsabiliza a administração da Carbonífera
do Douro pela grave situação sanitária que se vive na empresa. Com efeito,
exigindo a legislação em vigor que a empresa, tendo mais de 500 trabalhadores,
disponha de um serviço privativo de medicina no trabalho, a verdade é que o médico
da mina trabalha para a empresa com horário das 7 às 8 e das 13 às 14; das 10
às 12 e a partir das 15 presta serviço na Caixa e ainda lhe sobra o fim da
tarde para consultas ao domicílio.
«Com
um bom serviço médico na empresa muitas das doenças poderiam ser evitadas»,
dizem os dirigentes sindicais, acrescentando que os mineiros não tomam
conhecimento dos resultados dos exames anuais a que são submetidos, a não ser
quando atingem graus de incapacidade quase total para o trabalho.
Muitos
saem da mina com 60 e 70 por cento de silicose, depois vêm a saber que estão
muito mais afectados. Um dirigente sindical revela-nos que recentemente morreram
numa semana três mineiros reformados, todos com silicose a 100 por cento.
Nenhum deles chegara ainda aos 60 anos e oficialmente andariam por percentagens
de silicose de 50 a 60 por cento.
Mas
a silicose – responsável em Portugal por 85 por cento dos casos de invalidez -
não é o único mal das minas. Os ruídos e as vibrações dos martelos afectam a
audição. A humidade e as diferenças bruscas de temperatura provocam reumatismo
e dermatoses. A escuridão e as poeiras afectam a vista.
O
trabalho nas minas é violento e penoso em todo o mundo. Mas em Portugal, e
nomeadamente no Pejão, é pior. O secretário-geral da União Internacional dos
Sindicatos Mineiros, após uma visita às minas do Pejão, comparou o modo de
exploração e as condições de trabalho aos dos tempos da revolução industrial.
Mineiros
trabalham e lutam
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Repórter no inferno |
Mas
além do Caderno e do Contrato, os mineiros do Pejão têm actualmente em aberto
uma outra frente de luta reivindicativa, esta relativa a horários de trabalho e
intervalos de descanso. A jornada de oito horas, por despacho ministerial de
Abril de 1978, inclui meia hora de intervalo para a refeição; a administração nunca
aplicou esta norma, pelo que os mineiros do Pejão, com efeito, trabalham trinta
minutos a mais sobre a jornada de 8 horas.
Temperados
pela dureza da vida e do trabalho, os mineiros do Pejão estão em luta. E se
houver quem duvide da justiça das reivindicações destes homens, a questão é experimentar
viver e trabalhar no inferno oito horas e meia por dia, todos os dias, todos os meses e
todos os anos, enchendo os pulmões com o pó que envelhece e que mata.
João Paulo Guerra (texto) e Bruno Neves (fotos), o diário, 27 de Maio de 1981
As minas do Pejão foram encerradas oficialmente em 31 de Dezembro de 1994
Veja também: RECHEIRA FAZ DE CONTA QUE É A MINA
As minas do Pejão foram encerradas oficialmente em 31 de Dezembro de 1994
Veja também: RECHEIRA FAZ DE CONTA QUE É A MINA
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