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segunda-feira, 27 de abril de 2015

COMISSÃO NACIONAL DE DEFESA DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO

Maio de 1971
Ao País
Ilustração do Museu da Imprensa, Porto 

A proposta governamental de Lei da Imprensa, que a Assembleia Nacional em breve discutirá, coloca em termos graves o problema já antigo das limitações à liberdade de expressão e informação no nosso País.
Essa proposta começa por legislar a existência da própria Censura, a que chama Exame Prévio, o qual terá um largo campo de aplicação, dependente da vontade discricionária do Governo;
Estabelece tão grande número de limitações a uma hipotética liberdade de Imprensa que se torna impossível entender o exercício do respectivo direito;
Entrega ao arbítrio das próprias autoridades administrativas a repressão por ofensa às referidas limitações;
Não admite o princípio da liberdade de fundação de empresas editoriais ou jornalísticas, que é também uma das condições fundamentais da liberdade de Imprensa;
Sujeita o exercício da actividade dos jornalistas a autorização prévia do Governo e possibilita a este a interdição temporária ou definitiva da profissão;
Não toma quaisquer medidas concretas no sentido de libertar a Imprensa do domínio dos grupos financeiros poderosos;
Em suma, a proposta do Governo vida mais perpetuar a censura e a repressão do que assegurar a liberdade de Imprensa.
Desta maneira, o essencial da repressão de todas as expressões do pensamento, que vigora há mais de quarenta anos, provocando estragos irreparáveis na vida e no trabalho dos portugueses, poderá permanecer ou agravar-se a partir da proposta de lei apresentada, numa linha de compressão das inteligências que se apresenta no nosso País como a continuação dos períodos reaccionários na nossa história.



A compra recente de jornais diários e de estações radiofónicas por poderosos grupos económicos do capital bancário e industrial completa o significado da proposta de lei. Com os órgãos de Imprensa nas mãos do grande capital, o Governo pôde permitir-se finalmente uma lei de Imprensa que, por aquela circunstância e por todos os limites e alçapões nela introduzidos, representará um prolongamento da censura oficial, apoiado agora, também, pela censura interna exercida pelos proprietários dos órgãos de informação.
Tudo isto está indissoluvelmente ligado à questão mais geral das liberdades públicas, não sendo concebível uma normalização da vida nacional sem que o regime de informação pública seja também normalizado, em termos de direito a uma informação livre e completa, e sem que se alcance a capacidade do efectivo exercício desse direito, pois ninguém pode esquecer que até o simples acesso à Informação está condicionado à prévia satisfação das necessidades básicas vitais quanto a alimentação, habitação, saúde, instrução, etc.
Perante esta situação, ainda agravada pela circunstância de a própria imprensa não ter podido tratar deste problema por imposição das censura ou dos proprietários dos jornais, um grupo de pessoas ligadas à vida intelectual portuguesa constituiu-se em Comissão Nacional, a fim de promover uma tomada de consciência pública da gravidade de que o problema se reveste e ajudar, na medida das suas possibilidades, a alertar os País contra os graves perigos que advirão das disposições que se projectam. Igualmente se esforçar pela instauração de um quadro legal que possa garantir em toda a sua extensão a liberdade de expressão e informação.
Mesmo para além da deliberação que vier a ser tomada pela Assembleia Nacional, propõe-se esta Comissão examinar as consequências resultantes da aplicação da lei e chamar a atenção do País para os graves prejuízos que daí resultarão para o presente e futuro de todos nós, reivindicando o direito de actuar, em todas as circunstâncias, de harmonia com estes objectivos.
Assumir tal responsabilidade, apresentasse-nos como um dever que a cada um de nós directamente respeita e obriga, na tarefa comum pelo estabelecimento, no nosso País, das condições que assegurem a dignificação e a livre promoção das pessoas, o que será inviável sem uma efectiva liberdade de informação e expressão, que a proposta apresentada pelo Governo está longe de instituir.
Maio de 1971.

A Comissão Nacional de Defesa da Liberdade de Expressão

Acácio Barradas (jornalista), Adelino Cardoso (jornalista), Afonso Praça (jornalista), Albano da Rocha Pato (jornalista), Alberto Ferreira (escritor), Alberto Vilaça (advogado), Alberto Vilaverde Cabral (jornalista), Alexandre Babo (escritor), Alexandre Cabral (escritor), Alfredo Fernandes Martins (professor universitário), Álvaro Malafaia (advogado), Álvaro Salema (jornalista), Ana Maria Alves (publicista), António Areosa Feio (engenheiro), António Augusto Menano (escritor), António Borges Coutinho (advogado), António Manso Pinheiro (editor), António Modesto Navarro (escritor), António Rego Chaves (jornalista), António Reis (publicista), António Ribeiro da Silva (advogado), António dos Santos (jornalista), Antunes da Silva (escritor), Aristides Leitão (publicista), Armando Caldas (actor), Armando Castro (historiador), Arnaldo Saraiva (escritor), Artur Ramos (encenador teatral), Augusto Abelaira (escritor), Augusto da Costa Dias (escritor), Baptista Bastos (jornalista), Bernardo Santareno (escritor), Carlos de Oliveira (escritor), Celso Pinto de Almeida (advogado), Cerqueira da Rocha (advogado), César Pratas (escritor), César Príncipe (jornalista), Cesário Borga (jornalista), Daniel Ricardo (jornalista), Eduardo Valente da Fonseca (jornalista), Egito Gonçalves (escritor), Faure da Rosa (escritor), Fernanda Barão (publicista), Fernando Assis Pacheco (jornalista), Fernando Correia (jornalista), Fernando Dacosta (jornalista), Fernando Lopes Graça (músico), Fernando Namora (escritor), Ferreira de Castro (escritor), Figueiredo Filipe (jornalista), Francisco Keil do Amaral (arquitecto), Francisco Salgado Zenha (advogado), Helena Neves (publicista), Hugo Blasco Fernandes (economista),
Humberto Soeiro (advogado), Isabel da Nóbrega (escritora), João Alferes Gonçalves (locutor radiofónico), João Gomes (jornalista), João José Cochofel (escritor), João Paulo Guerra (locutor radiofónico), João Sá da Costa (editor), Joaquim Namorado (escritor), Joaquim Santos Simões (escritor), Joel Serrão (historiador), Jofre Amaral Nogueira (escritor), Jorge Dias (locutor radiofónico), Jorge Gil (produtor radiofónico), Jorge Peixinho (músico), José António Moedas (jornalista), José Antunes Ribeiro (livreiro), José Augusto França (historiador), José Carlos Vasconcelos (jornalista), José Gomes Ferreira (escritor), José Magalhães Godinho (advogado), José Manuel Barbosa (publicista), José Manuel Rodrigues da Silva (jornalista), José Manuel Tengarrinha (historiador), José Saramago (escritor), José Vaz Pereira (crítico cinematográfico), Lindley Cintra (professor universitário), Lino Lima (advogado), Luís Filipe Costa (locutor radiofónico), Luís Salgado Matos (jornalista), Luís de Sttau Monteiro (escritor), Luísa Ducla Soares (escritora), Manuel Alpedrinha (jornalista), Manuel de Azevedo (jornalista), Manuel Barbosa (advogado),
Manuel da Fonseca (escritor), Manuel Lemos da Silva (publicista), Manuel Lousã Henriques (publicista), Manuel Rodrigues de Oliveira (editor), Manuela Alves (jornalista), Manuela de Azevedo (jornalista), Maria Isabel Barreno (escritora), Maria Lamas (escritora), Maria Teresa Horta (escritora), Maria Velho da Costa (escritora), Mário Braga (escritor), Mário Castrim (jornalista), Mário Sottomayor Cardia (escritor), Mário Ventura (escritor), Mário Vieira de Carvalho (crítico musical), Marta Cristina de Araújo (escritora), Miguel Baptista Pereira (professor universitário), Miguel Franco (escritor), Miguel Serrano (jornalista), Natália Correia (escritora), Orlando da Costa (escritor), Óscar Lopes (escritor), Paulo Correio da Fonseca (crítico de TV), Paulo Quintela (professor universitário), Raúl Rego (jornalista), Rodrigues Lapa (historiador), Rogério Fernandes (escritor), Rogério de Freitas (escritor), Rogério de Moura (editor), Rogério Paulo (actor), Rui Clímaco (publicista), Rui Grácio (pedagogo), Rui de Moura (editor), Rui Nunes (escritor), Sérgio Ribeiro (economista), Sílvia Soares (escritora), Sílvio Lima (professor universitário), Sophia de Mello Breyner Andresen (escritora), Padre Urbano Duarte (director do Correio de Coimbra), Urbano Tavares Rodrigues (escritor), Vasco da Gama Fernandes (advogado), 
Vergílio Ferreira (escritor), Vítor de Matos e Sá (professor universitário), Vítor de Sá (historiador), Vitorino Magalhães Godinho (historiador).

Maio de 1971

A Comissão Nacional de Defesa da Liberdade de Expressão

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