ex-major do MFA,
ex-dirigente do MDLP
Entrevista de João Paulo Guerra / Abril 1999
José Eduardo de Sanches Osório era major
de Engenharia em 1974 e fez parte do Posto de Comando do Movimento das Forças
Armadas, no quartel da Pontinha, na madrugada de 25 de Abril. De formação
monárquica e católica e pertencendo à casta dos oficiais do Corpo de
Estado-Maior, Sanches Osório aderiu ao Movimento dos Capitães em 1973 para
derrubar Marcelo Caetano. Ministro da Comunicação Social no II Governo
Provisório, o primeiro de Vasco Gonçalves, entrou em ruptura com a revolução
por alturas do 28 de Setembro. E na sequência do 11 de Março foi expulso do
Exército e deixou o país clandestinamente para fugir a um mandado de captura.
No exílio participou na fundação do Movimento Democrático de Libertação de
Portugal (MDLP), liderado por Spínola e chefiado por Alpoim Calvão. Desempenhou
funções de embaixador itinerante da contra-revolução, mas diz que não levava a
sério o plano do general para invadir Portugal e reconquistar o poder.
Posto de Comando na Pontinha, de 24 para 25 de Abril |
Foi como dirigente do MDLP que Sanches Osório participou na
montagem de uma armadilha ao arcebispo de Braga, D. Francisco Maria da Silva,
destinada a virar a hierarquia da Igreja contra o chamado Processo
Revolucionário em Curso (PREC). A armadilha funcionou, o arcebispado
transformou-se no centro aglutinador da contestação ao PREC e os arcanjos de D.
Francisco no braço armado da contra-revolução.À data da entrevista (Abril de 1999) exercia a
advocacia e defendia com altivez o 25 de Abril. O seu emblema era o cravo
vermelho e o seu hino a «Grândola, Vila Morena».
Diário
Económico - Onde estava de 24 para 25 de Abril de 1974?
Sanches Osório
- Dia 24, à noite, fui para o quartel da Pontinha, o Posto de Comando do
Movimento. Estive toda a noite a acompanhar as operações e a passar a stencil o
Programa, para posteriormente ser distribuído.
DE -
Estava no Movimento desde quando?
S.O. - Estava desde 73, ainda o motor do Movimento
eram os decretos sobre as promoções...
DE - ...
que já não o abrangiam. Já era oficial superior...
S.O. - Não, não me abrangiam. Fui aliciado para o
Movimento pelo então major, hoje brigadeiro,
Mariz Fernandes, porque, dizia ele, eram precisos oficiais de patente
superior. Tempos mais tarde, convidei por minha vez o então major Vítor Alves
e, mais tarde ainda, o então tenente-coronel Franco Charais.
28 de Setembro 1974: Sanches Osório, à direita, entre Spínola e Galvão de Melo |
DE - O
seu envolvimento não foi pela questão corporativa, mas por uma questão
política?
S.O. - O meu envolvimento procurou sempre ser
político. Na reunião que houve em casa do coronel Marcelino Marques declarei
expressamente que sendo os militares responsáveis pelo 28 de Maio e
sustentáculo da ditadura, não era nosso papel fazer qualquer reivindicação
sindical mas, muito simplesmente, fazermos uma revolução e derrubarmos o governo.
DE - O
consenso que se estabeleceu entre os militares que fizeram o 25 de Abril, para
derrubar o Governo, por onde é que veio a quebrar-se?
S.O. - Para derrubar o governo, estávamos todos de
acordo. Mas não estávamos quanto à execução do Programa e às questões
partidárias.
DE -
Questões partidárias quer dizer o quê? Questões quanto ao Partido Comunista?
S.O. - Quem arranjou a primeira sede para o Partido
Comunista, na rua António Serpa, fui eu. Isto para que fique perfeitamente
claro que eu não tenho nenhum preconceito anticomunista e que a colocação que
me quiseram fazer na extrema-direita era porque as pessoas não ouviam, ou não
entendiam, o que eu dizia.
DE - No
28 de Setembro era ministro da comunicação social e leu aos microfones da
Emissora um comunicado a apelar ao levantamento das barricadas que cercavam os
acessos a Lisboa. Qual era a origem desse comunicado?
S.O. - O comunicado era assinado pelo coronel Vasco
Gonçalves mas fora redigido pelo general Costa Gomes.
DE - Mas
era um comunicado ambíguo que funcionava a favor de Spínola e contra o MFA...
S.O. - Era uma tentativa de pôr um pouco de água na
fervura.
DE - As
pessoas não seguiram o conselho do comunicado, não levantaram as barricadas e a
manifestação da «maioria silenciosa», em apoio de Spínola, foi desconvocada.
Estava de acordo com a manifestação?
S.O. - Pessoalmente não estava de acordo. Eu não
era spinolista, era ministro por escolha do Movimento. Mas no Ministério era
alvo de contestação por parte da extrema-esquerda, dirigida por funcionários
conservadores da ex-Secretaria de Estado da Informação e Turismo, como o Mega
Ferreira. Essa contestação chegou ao ponto de um jornalista se recusar a
participar numa reunião comigo dizendo que não se sentava à mesa com fascistas.
O fascista era eu e o jornalista era o Vítor Direito.
DE -
Recusa a conotação com a direita mas, quando saiu do governo, foi
secretário-geral do PDC...
S.O. - Eu participei num comício do PDC, que acabou à tareia, onde eu disse que era de direita. E toda a gente me apedrejou porque
a moda era ser de esquerda.
DE - E o
PDC era de esquerda?
S.O. - A democracia cristã, do ponto de vista
social, é de esquerda.
DE - Isso
explica um comunicado do PDC, no 11 de Março, afirmando-se ao lado do Governo,
do gonçalvismo digamos assim, e declarando que não sabia do paradeiro do
secretário-geral do partido. De si, portanto...
S.O. - Eu tinha-me comprometido com o general
Spínola a acompanhá-lo se ele tivesse que sair do país. Tinha mantido contactos
com o general Spínola e perante o insucesso do 11 de Março cumpri a minha
palavra.
DE - Mas
não saiu com o general, de helicóptero, para Espanha. Saiu de outra forma, um
pouco acidentada...
S.O. - ... não foi nada acidentada. Saí a pé pela fronteira,
em Alfaiates, na Beira e apanhei um comboio para Madrid. Fui da Golegã, onde
estava, para Fátima, no meu carro. Depois, no carro do cónego Galamba de
Oliveira, fui para S. Romão, Seia e Alfaiates.
DE - E
considerava-se na clandestinidade?
S.O. - Estava na clandestinidade. Tinha sido
expulso do Exército a 13 de Março e era procurado como criminoso. Segui para
Madrid, depois para Paris e para o Rio de Janeiro.
DE - Onde
participou na fundação do MDLP...
S.O. - Encontrei-me com o general Spínola no Rio de
Janeiro e participei na fundação do MDLP. Depois regressei a Paris, onde era o
meu posto de combate.
DE - Qual
era o combate?
S.O. - Contra a conquista do poder pelo Partido
Comunista.
DE - E
que funções tinha nesse combate?
S.O. - Era representante do general Spínola na
Europa.
DE - No
MDLP, a certa altura, houve certa confusão entre política e negócios. Vendas de
armas, o roubo das jóias na igreja de Guimarães...
S.O. - ...não sei, não faço a menor ideia, não
tenho nada com isso, nem quero saber. Eu só discutia com o general Spínola as
minhas missões de contacto com governos estrangeiros, especialmente com o
francês. Encontrei-me duas vezes, em Paris, com o general Spínola.
DE - E o
general encontrou-se com quem?
S.O. - Com o conde de Marenches, que era o chefe
dos serviços de informações franceses.
DE - Os
serviços secretos franceses apoiavam os planos do MDLP?
Com Otelo, Garcia dos Santos e Vítor Crespo: o 25 de Abril como efeméride |
DE - Em
Paris que actividade desenvolvia?
S.O. - Fazia a contra-revolução e sobrava-me tempo.
De maneira que estudava e comecei a fazer o meu curso de Direito.
DE -
Acompanhava a situação em Portugal?
S.O. - Sim. Tinha contactos frequentes com o
tenente-coronel Vitor Alves.
DE - Na
qualidade de dirigente do MDLP?
S.O. - Sim. Eram contactos de solidariedade entre
pessoas que fizeram o 25 de Abril e não queriam cair num novo sistema
ditatorial.
DE - Veio
alguma vez a Portugal nesse tempo, clandestinamente?
S.O. - Vim
uma vez, ao Norte, fazer uma visita.
DE -
Encontrou-se com quem?
S.O. - Com ninguém em especial.
DE - E
como é que encontrou o país?
S.O. - Estava uma respeitável confusão.
DE - Veio
encontrar-se com o arcebispo de Braga, com o cónego Melo, participar na
manifestação em Braga?
S.O. - Não lhe vou dizer. Mas quanto à manifestação
de Braga, participei, de alguma maneira. Isso posso-lhe dizer. Eu e
determinadas pessoas fizemos uma denúncia falsa ao COPCON, dizendo que o
arcebispo de Braga, que ia participar num congresso eucarístico em S. Paulo,
levava divisas de contrabando. De maneira que o arcebispo foi retido e
revistado pelo COPCON no aeroporto da Portela. A denúncia falsa foi nossa, para
lhe provocar a reacção que ele veio a ter, que foi convocar a manifestação de
Braga. Depois explicámos-lhe o assunto e pedimos-lhe desculpa. E o arcebispo de
Braga absolveu-nos.
DE - Isso
é o género de «operação» do engenheiro Jorge Jardim?
S.O. - Foi, foi de facto do engenheiro Jorge
Jardim, uma personalidade notável.
DE -
Jorge Jardim também era dirigente do MDLP?
S.O. - Não. Era um free-lancer.
DE - E
como é que essa denúncia falsa chegou ao COPCON?
S.O. - O engenheiro Jorge Jardim tinha contactos
frequentes com o major Otelo Saraiva de Carvalho.
DE - E no
25 de Novembro...
S.O. - ...no 25 de Novembro entendi que as coisas
iam entrar nos eixos e que a actividade do MDLP deveria cessar.
DE -
Quando é que voltou a Portugal?
S.O. - No dia 3 de Março de 1976. Fui preso para
Caxias a fim de me fazerem o processo que não fizeram em 1975 quando me
expulsaram do Exército. Estive uma semana em Caxias e o processo foi arquivado.
DE - E,
apesar de tudo isto, em cada comemoração do 25 de Abril, lá aparece de cravo ao
peito...
S.O. - O cravo mantém-se como um símbolo. Normalmente
tenho cravos em casa e, por disposição testamentária, quando morrer quero ser
sepultado ao som da «Grândola, Vila Morena».
J.P.G.
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