Edições Afrontamento, 1994 |
Um
livro histórico
por César Oliveira
O livro de João Paulo Guerra Memória das Guerras Coloniais
faz o inventário histórico do processo, complexo e perturbador, que conduziu ao
encerrar do ciclo imperial africano. Diferentemente da independência do Brasil –
que ficou a assinalar o fim do segundo ciclo do império -, o desmoronamento da
presença colonial portuguesa em África realizou-se num quadro de uma guerra em
três teatros de operações que durou 13 anos, e no contexto de um regime de ditadura
que ligou, voluntariamente, o destino da sua própria sobrevivência ao desfecho
das guerras em África. Por assim ser, o fim do império implicou traumas, visões
apaixonadas e, sobretudo, tabus. Este magnífico trabalho a que na contracapa se
chama, impropriamente, «investigação jornalística», vem romper um tabu
importante que talvez tenha medrado no «caldo de cultura» do respeito e da
gratidão – que quase todos temos – pelo MFA e pelos militares de Abril que
foram agentes activos no encerramento da aventura africana e que fizeram as
guerras coloniais. E escrevemos que a editora chama impropriamente
«investigação jornalística» ao trabalho de João Paulo Guerra porque, com essa
classificação, parece querer distinguir esse trabalho de uma investigação
histórica à qual é suposto ser atribuída uma qualidade «superior» a esta «investigação
jornalística».
Ora o livro que apreciamos é um esforço sério, documentado, vasto e fundamentado, permitindo a análise e compreensão de um dado objectivo (as guerras coloniais), de que resultou uma narrativa clara, atractiva e suficientemente ampla, que dá, com a distanciação possível, uma visão elucidativa que acrescenta substantivamente o nosso conhecimento sobre uma temática fundamental do nosso próprio tempo. Por podermos classificar o trabalho de João Paulo Guerra exactamente do modo como acabámos de fazer, pensamos ser inadequada a a qualificação, quiçá por vontade e modéstia do autor, que «formalmente» a editora faz em relação a Memória das Guerras Coloniais. Porque pensamos que a história é, também, fundamentada com o maior rigor possível e a isenção suficiente e necessária a uma actividade e prática científica onde não é possível a neutralidade ou a assunção de verdades incontroversas e definitivas, estamos confrontados com uma investigação histórica que não utilizou o acervo documental dos arquivos como fonte, mas que combina, com felicidade, a narrativa histórica com alguma metodologia habitualmente usada pelo jornalista que João Paulo Guerra é.
Porque, se há por aí, pelas tertúlias intelectuais e
académicas, a difusão de concepções que produzem historiografia que quase não
tem narrativa, que faz da «obra historiográfica» uma «coisa hermética», de difícil
e, algumas vezes, dolorosa leitura, a verdade é esta: tais concepções
acrescentam, seguramente, o nosso conhecimento, mas fazem-no de uma forma
redutora e no pior do elitismo. Aquilo que produzem ou não chega ao público
comum que quer ser informado ou, quando chega, não é lido com o prazer e com o
«gozo» que nos proporciona o trabalho de João Paulo Guerra.
Poderemos discordar ada arrumação de certos capítulos que,
se estivessem arrumados por ordem cronológica dos acontecimentos, deraim,
eventualmente, ainda maior clareza e facilidade de leitura a este excelente
trabalho de J. Paulo Guerra.
Só o domínio das temáticas tratadas, o profundo conhecimento
da bibliografia utilizada e a preocupação de um distanciamento que não
significou, para J.P.G., neutralidade, pôde permitir a escrita fluente,
escorreita e atrativa deste texto. Quem não compreendeu a dinâmica essencial de
u m dado período ou um determinado tema pode fazer dezenas e centenas de
citações, inserir notas sobre notas e pés-de-página extensos e produzir,
aparentemente, uma obra de «grande peso académico», mas que, de facto, não acrescentou
nada de significativo ao conhecimento colectivo. Esta obra é o contrário disso.
João Paulo Guerra indica também uma variada e extensa
bibliografia que lamentamos estar inscrita no final de cada capítulo. É este o
único reparo «de fundo» que fazemos ao autor: uma bibliografia final, ainda que
por referência aos grandes subtemas tratados, seria extremamente útil e encorajadora
para outras investigações. A cronologia é, também, uma importante contribuição
deste trabalho.
Enfim, e na síntese que cabe no espaço de que disponho: um
trabalho importante, inovador na forma e corajoso no conteúdo, publicado no
momento oportuno. Momento em que quase tudo e quase todos parecem apostados em
«baralhar» par «dar de novo», isto é, para mitificar um período e uma «memória»
que, quanto a nós, cada vez mais importa estudar, investigar e reavivar.
César Oliveira, Expresso, 23 Abril 1994
Escrevo-lhe
para o felicitar vivamente pelo seu livro sobre as guerras coloniais.
Era
o livro que fazia falta acerca de um assunto que foi (e é) tão vital para a
sociedade portuguesa. Li-o com especial interesse, visto ter sido co-autor e
distribuidor de “Colonialismo e Lutas de Libertação” e dois BAC, quando havia
informações escassas e a matéria era perigosa.
Apreciei
a abundância e o rigor da informação e o carácter objetivo do seu texto, ainda
que tomando partido, como todos nós.
Um
muito obrigado, como português, pelo seu trabalho.
Nuno Teotónio Pereira, 16 Junho 1994
Este livro admirável
do jornalista João Paulo Guerra, Memória das Guerras Coloniais, tem um destino
marcado: mergulhar, com merecida glória, no universo das letras malditas. E por
ser, no seu fulgor investigativo, um documento inapelável na clarificação das
origens, índole e projectos dos vários movimentos armados de libertação,
Memória das Guerras Coloniais é uma obra que devemos inscrever, sem perda de
tempo, na montra de honra dos eventos comemorativos dos 25 anos do 25 de
Abril.
Luís
Alberto Ferreira, Jornal de Notícias, 5
Abril 1994
Memória das Guerras
Coloniais est ce qui existe de mieux dans le genre journalistique. Sa
bibliographie est composé, apparement, à partir de sa propre bibliothèque.
Certains de ses atribuitions sont fausses, mais il utilise des dossiers de
presse d'une grande fécondité. De plus, il a le mérite d'avoir découvert des
rapports de la PIDE, la policie politique portugaise, sur les années passées
par Savimbi au Portugal.
L'ouvrage de Joao Paulo Guerra est
une sorte de vade-mecum à l'usage d'une jeune génération qui a oublié qu'entre
1961 et 1974 tombaient en Afrique une moyenne de 630 morts chaque année dans le
camps portugais (dont 70 % de metropolitans), soit, proportionnellement aux
populations, incomparablement plus que les Americains au Vietnam.
René Pélissier, Afrique
Contemporaine, 2º trimestre 1995
História e jornalismo
História e jornalismo
Num
“dossier” como este, em que se discutem a hipotética proximidade ou o
hipotético afastamento entre a ficção e o jornalismo, o jornalista João Paulo
Guerra tem o direito a um lugar à parte. Aqui, o jornalista invade os terrenos
do historiador. E fá-lo não por brutal direito de conquista, mas porque cumpre
humildemente os requisitos do “métier”. “Memória das Guerras Coloniais” é um livro
de trabalho, de investigação.
João Paulo Guerra é historiador e historiador sério. Mas a
sua condição de jornalista vem amiúde ao de cima, quando descreve uma batalha,
uma greve, um golpe de mão. Aí, a atenção ao pormenor que define uma situação
trai o repórter que sabe que um desabafo é por vezes mais significativo do que
um discurso.
“Memória
das Guerras Coloniais” cumpre duplamente: a sua leitura torna-nos mais cultos e
lúcidos e a sua consulta é fácil.
Torquato Sepúlveda,
Público, 4 Junho 1994
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