Há uma
teoria segundo a qual se Cleópatra tivesse um nariz diferente, Marco António
não se teria apaixonado por ela e a civilização teria sido diferente. Witney
Schneidman, académico e investigador norte-americano, diz que a tese se poderia
aplicar à relação da administração norte-americana com a descolonização das
colónias de Portugal.
Por
João Paulo Guerra,
Diário Económico, Fevereiro de 2005
Diário Económico, Fevereiro de 2005
O
confronto entre Henry Kissinger, secretário de Estado nas administrações Nixon
e Ford, e Frank Carlucci, embaixador dos EUA em Lisboa, constitui o nó da
investigação de Witney Schneidman, editada no ano passado nos Estados Unidos e
lançada agora em Portugal com o título «Confronto em África». A história começa
antes e passa para além dessa questão, mas é aí que tudo conflui e se decide.
Para o autor, Kissinger é o vilão da história, Carlucci desempenha o papel de
moderador avisado e acaba por ganhar o confronto.
Pelo
meio desta investigação, que recua aos tempos de Kennedy e Salazar e chega ao
legado pós-colonial, sucedem-se os episódios, muitos dos quais desconhecidos da
opinião pública portuguesa. A história de Portugal e do futuro da África
Austral decidia-se nos bastidores e longe de Lisboa. Schneidman mergulha nos
arquivos postos à sua disposição pela Lei da Liberdade de Informação,
designadamente na correspondência confidencial de Lisboa para Washington,
entrevista protagonistas, consulta bibliografia e liga os resultados das suas
investigações numa narrativa que, apesar de ser uma tese académica, é de
leitura ágil.
O
livro é dedicado a Gerald Bender, autor de vasta bibliografia sobre a matéria.
Como Bender, outros autores versaram o tema. A leitura de Schneidman passa
assim a ser complementar da de Basil Davidson (Angola no Centro do Furacão e A
Política da Luta Armada), de John Marcum (The Angolan Revolution 1 e 2), de Bender (Angola sob o Domínio Português e Kissinger in Angola: Anatomy of a Failure), de Margareth Anstee (Órfão da Guerra-fria), de Paul Hare (A Última Oportunidade para a Paz em Angola),
de Kenneth Maxwell (A Construção da
Democracia em Portugal), de John Stockwell (A CIA contra Angola), de Piero Gleijeses (Missões em Combate), de George Wright (A Destruição de uma Nação), entre muitos outros autores.
Mas,
apesar da vasta bibliografia existente, não estava tudo dito e escrito e
Schneidman acrescenta, para além da análise, consideráveis novidades: a receita
de Kissinger para dar «pancada suficiente» em Portugal, a proposta para adopção
de uma «solução chilena», abandonada por não se encontrar, após a fuga de
Spínola em 11 de Março, um «Pinochet português», o estímulo da CIA ao
separatismo nos Açores, a discreta frequência de um curso de formação da NATO
pelo tenente-coronel Ramalho Eanes, antes de se transformar no homem do 25 de
Novembro, as «malas cheias de dinheiro» que chegavam da Europa para o PS e
muitas outras grandes e pequenas histórias da História. As peças do xadrez
moviam-se em Lisboa, mas o tabuleiro era o mundo bipolar, a sobrevivência da
NATO e o futuro da África Austral.
Witney
Schneidman observa a história a partir de Washington mas com uma visão crítica.
Formado em Temple, com mestrado em Dar-es-Salaam e doutoramento na Califórnia
do Sul, Schneidman foi adjunto do secretário de Estado para os Assuntos
Africanos na Administração Clinton. Os tempos já eram outros.
Uma
crítica não pode passar em claro. O livro contém pequenas imprecisões sobre
dados factuais da evolução política em Portugal nos anos pré e
pós-revolucionários. Nos Estados Unidos passam, mas em edição portuguesa, e
para leitores mais especializados, podem ser susceptíveis de beliscar a
credibilidade de uma obra que, pelos créditos do autor e das suas fontes,
merece um lugar na bibliografia sobre o fim do Império e o começo do futuro de
Portugal e dos novos países nascidos do parto difícil da chamada
descolonização.
O nariz de Cleópatra
Witney
Schneidman, o autor de «Confronto em África», relata e analisa a relação entre
Washington e a queda do Império Colonial português com o rigor de um académico.
Mas mantém em relação aos acontecimentos e personagens um espírito crítico e
alguma ironia, manifestados numa breve conversa com o Diário Económico.
Defende no seu livro a tese de que a
revolução portuguesa constituiu uma surpresa para a Administração Nixon. Como
foi possível?
Witney
Schneidman - As análises dos serviços de
informações americanos consideravam que o Império português estava a
desagregar-se. Havia relatórios sobre a impossibilidade de Portugal manter em
África a supremacia militar. E era isso também o que pensavam os políticos. Mas
a atenção dos políticos não estava focada em Portugal e, assim, não anteciparam
qualquer análise ou posição em relação ao golpe de 1974.
Qual foi a diferença em relação ao início
dos anos 60, quando a Administração Kennedy apoiou uma tentativa de evolução da
situação política em Portugal: os tempos ou apenas as personagens?
Witney
Schneidman - Ambos. Se os Estados Unidos estivessem empenhados em Portugal nos
anos 70, como tinham estado nos anos 60, teriam sabido que Spínola estava a escrever
um livro, o que é que isso significava, e estariam em posição de auxiliar de
uma forma muito mais efectiva uma transição da ditadura para a democracia.
E Spínola constituiu uma outra surpresa?
Witney
Schneidman - Spínola não foi uma surpresa pela simples razão que Washington
nunca tinha ouvido falar de Spínola. O que verdadeiramente surpreendeu e
alertou os Estados Unidos foi o facto de membros do Partido Comunista
participarem no I Governo Provisório. Então sim, prestaram atenção.
Concorda com o que disse o Professor Adriano
Moreira, na apresentação do seu livro, que os problemas resultaram de Kissinger
não ter um dossier africano?
Witney
Schneidman - Kissinger não tinha de facto um dossier africano. Para Kissinger,
as pessoas que lutavam pela autodeterminação e independência em África eram uns
idealistas, uns ‘hippies’. A noção de nacionalismo africano não era uma ideia
que ele compreendesse.
Teria sido diferente com uma Administração
Clinton?
Witney
Schneidman - Se os Estados Unidos prestassem atenção a Portugal e a África
teriam compreendido. Gostaria de pensar que uma Administração em que eu
participei teria sido capaz de analisar o que se passava em Portugal. De
compreender, por exemplo, que a visão de Spínola, quanto à criação de uma
‘Commonwealth’ portuguesa, estava completamente ultrapassada naquele tempo.
Gostaria de pensar mas não sei. Há uma teoria segundo a qual se Cleópatra
tivesse um nariz diferente, Marco António não se teria apaixonado por ela e a
civilização teria sido diferente.
O fim do Império português não foi o fim da
sua história. Qual foi o papel dos Estados Unidos nas guerras que se seguiram
em Angola e Moçambique?
Witney
Schneidman - Bom, isso é tema para outro livro.
João Paulo Guerra, Diário Económico,
Fevereiro de 2005
Fevereiro de 2005
Confronto em África
Washington e a Queda
do Império Colonial Português
Autor Whitney W.
Schneidman
Edição Tribuna da
História, 2005
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