Fátima é uma imensa montra de ícones religiosos e quinquilharia
diversa. «Há muito concorrência», diz uma lojista da Cruz Alta.
E quem levante dúvidas recebe como resposta uma citação do Papa João Paulo II:
Rezem, rezem e não perguntem mais nada...
João Paulo Guerra,
Diário Económico, 12 Maio 2000
Os comerciantes das pequenas lojas de recordações que
pagam renda ao Santuário de Fátima queixam-se que não há mercadoria alusiva à
visita do Papa João Paulo II e à beatificação dos pastorinhos. E têm razão. Percorrendo os
quiosques anexos ao Santuário, encontra-se toda a sorte de bugigangas. Mas quanto
ao Papa só está disponível, impressa sobre um prato de barro, uma imagem do
tempo da primeira peregrinação à Cova da Iria, apresentando João Paulo II com
menos dezoito anos de idade. Um milagre. E quanto aos pastorinhos só existe a
imagem tradicional: Lúcia de Jesus, Jacinta e Francisco Marto, de joelhos aos
pés de Nossa Senhora, em todos os materiais, formatos e cores imagináveis, com
mais ou menos adornos, com ou sem efeitos musicais e de iluminação.
Os comerciantes
atribuem esta falta de sensibilidade de oferta para corresponder à procura do mercado ao
facto de a generalidade dos artigos disponíveis serem actualmente fabricados na
China. Em Fátima existe um único fabricante, com oficina na Rua de Santo António,
e de resto toda a produção é importada da China comunista ou da anticomunista:
«Made in China».
A arrendatária da Loja 10 ainda esperava, no fim da
semana passada, uma remessa de imagens actuais do Santo Padre, gravadas em
estanho. Mas já desesperava que a encomenda chegasse a tempo da peregrinação.
«O negócio nos últimos tempos está mau. Há muita gente a passear, a ver, mas
poucos são os que compram», lamentava-se.
Com o poder de compra não há
milagres. E acrescentava que a crise do sector é agravada pelo grande número de
roubos. No Comando da PSP, não havia estatísticas disponíveis sobre furtos
participados em peregrinações anteriores, mas admitia-se que o maior problema
de Fátima, em matéria de crimes contra a propriedade, são os que resultam da
actuação de carteiristas. «Muitos peregrinos trazem todo o dinheiro que têm,
para não o deixarem debaixo do colchão, com medo dos ladrões, e depois são
roubados aqui pelos carteiristas», relata uma comerciante da zona do Santuário.
Em Fátima multiplicam-se os estabelecimentos comerciais
de recordações, não apenas junto ao Santuário. Toda a cidade é uma imensa
montra de imagens, terços, santinhos e quinquilharia religiosa diversa. «Há muito
concorrência», diz uma lojista da Cruz Alta. Também em Fátima já se instalaram
as ‘lojas dos 300’ para venda de lembranças religiosas.
Para atrair os clientes, e corresponder à diversidade da
procura, as lojas não se limitam a comercializar artigos religiosos e
similares. Os grandes grupos de consumidores merecem particular atenção do
comércio de Fátima. Há iconografia variada para os adeptos do futebol, em
muitos casos associando o Milagre de Fátima ao emblema de um ou outro clube, como há vinho
do Porto para os turistas e brinquedos para as crianças. Mas também aqui a
oferta peca por falta de novidade. O Pokémon
não chegou às lojas de Fátima onde ainda imperam os Teletubbies e as Barbies.
Quanto aos pagadores de
promessas, esses têm uma oferta completa. «O que sai mais são pernas», diz uma
empregada da Loja 33. Mas a gama de artigos produzidos na Fábrica de Ceras, da
Eira da Pedra, é vasta: pernas, pés, braços, cabeças, corações, intestinos, estômagos, fígados e outras vísceras, há de quase tudo no vasto mercado da
anatomia da cera.
Na cidade de Fátima estão
recenseados neste ano 2000 cerca de 30 hotéis, pensões e estalagens, com uma capacidade
aproximada de quatro mil camas: do Hotel
Três Pastorinhos à Pensão 13 de Outubro, do Solar da Marta à Casa Beato Nuno.
Mas calcula-se que o mercado paralelo de hospedarias, partes de casa, quartos e
alojamentos improvisados represente outras tantas camas. Esperando-se este ano
uma afluência de mais de meio milhão de peregrinos, Deus queira que a imensa maioria não pense em pernoitar.
No Hotel Verbo Divino, com capacidade para albergar 550 pessoas, a
lotação está esgotada desde o ano passado. Propriedade de uma congregação
alemã, o Verbo Divino, Hotel de três
estrelas, propagandeia que financia a actividade missionária em vários países do Terceiro Mundo.
«O lucro não é para nenhum patrão comprar Mercedes. Vai para Roma, onde está o
general da Congregação», esclarece o gerente.
Quanto à restauração, a cidade
oferece cerca de duas dezenas de estabelecimentos, para todos os preços e paladares.
No Restaurante João Paulo II, por
exemplo, serve-se o prato do dia a partir de 850 escudos (4,24 euros).
Mas
também o mapa da verdadeira e melhor gastronomia portuguesa passa
obrigatoriamente por Fátima, de preferência fora da época das peregrinações,
onde o restaurante "Tia Alice" serve um bacalhau ou um arroz de pato que são, estes sim, um
verdadeiro segredo e um autêntico milagre.
Entre o fim do dia de hoje e a
tarde de amanhã, o espaço aéreo da zona de Fátima estará sob controlo da Força
Aérea e reservado às forças de segurança, da Protecção Civil e a um restrito
número de meios da comunicação social. A visita de João Paulo II impõe
rigorosas medidas de segurança e de prevenção para qualquer emergência, disse
ao Diário Económico o governador do Distrito de Santarém.
As previsões da Meteorologia apontam para que, ao fim de semanas
sucessivas de mau tempo, se repita este ano em Fátima o milagre do sol. Ou
seja, o tempo deverá contribuir para mais um sucesso do turismo religioso,
principal atracção da região, superando largamente a concorrência da Jazida
Paleontológica das pegadas de dinossáurios da Serra d`Aire, a 10 quilómetros de
Fátima.
O governador do Distrito, Carlos Carvalho Cunha, que coordena
no local a Operação Fátima 2000, espera que se desloquem a Fátima, entre hoje e
amanhã, 500 a 600.000 peregrinos, ou seja, o dobro de uma peregrinação sem as
atracções do Papa e da beatificação dos pastorinhos. E a primeira das suas
preocupações é que os peregrinos cheguem todos ao local da peregrinação, mas
que os 200.000 veículos esperados não entrem na cidade.
Assim, o trânsito para Fátima, que se soma ao tráfego
normal de um fim-de-semana, será regulado não só por agentes da Brigada de
Trânsito mas também por painéis electrónicos na autoestrada, indicando as
saídas para a Cova da Iria e o acesso a 36 parques de estacionamento fora do
perímetro de Fátima. Uma rádio local, funcionando na frequência 103.7 FM, dará
permanentes informações sobre a situação do trânsito, acessos e
estacionamentos.
A segurança é outra das preocupações do governador. Cerca
de 1.300 graduados e agentes da PSP e GNR estão mobilizados, aos quais se soma
um número indeterminado de operacionais do departamento de Protecção a Personalidades,
de pessoal da Judiciária e do SIS, que garantem a segurança pessoal de João
Paulo II. Centenas de bombeiros, 80 ambulâncias, três postos de saúde, mais
cinco hospitais de segunda linha de prevenção, completam o quadro para a
segurança e apoio aos peregrinos em geral e, em particular, ao primeiro de
todos eles, Karol Józef Wojtyła, mais conhecido por João Paulo II.
O Papa, que chega hoje a Figo Maduro e viajará de
helicóptero para Fátima, circulará entre o campo de futebol local e o Santuário
por um corredor vedado à circulação e ao público. Para além das suas
dificuldades de locomoção, motivos de segurança determinam que João Paulo II
não dê um passo sem a rigorosa cobertura dos seus guarda-costas e outros
acompanhantes mais próximos.
No perímetro de Fátima funcionarão também um Ponto de
Encontro e um Centro de Acolhimento a Perdidos, destinados a pessoas
desencontradas ou roubadas, com assistência a cargo de técnicos da segurança
social, e parques infantis para crianças perdidas. A previsível saturação das
redes de telemóveis agrava as preocupações quanto a pessoas desencontradas numa
área onde se movimentarão centenas de milhares de peregrinos.
Perante toda esta situação, o governador do Distrito
avança algumas recomendações aos peregrinos, as primeiras das quais são a
antecedência na deslocação para Fátima e o acatamento das orientações das
forças de segurança. Sem o respeito por estas condições, o mais certo é não
chegar à Cova da Iria ou, chegando, ir a Fátima e não ver o Papa.
A fumaça de
Satanás
O Museu das Aparições revela, por 400 escudos (2
euros), os segredos e a mensagem profética de Fátima, anunciados por um Anjo,
entre a Primavera e o Outono de 1916, e transmitidos a três pastorinhos –
Francisco, Marta e Lúcia, de 7, 9 e 10 anos de idade - nas Aparições de Nossa
Senhora entre Maio e Outubro de 1917, na Cova da Iria.
Através de figuras articuladas e animadas, em tamanho
natural, o Museu reconstitui as aparições do Mensageiro Celeste e da Senhora,
bem como o Milagre do Sol, e transmite o conteúdo do fenómeno, oficialmente
reconhecido pela Igreja em 1930: a Salvação, através da devoção ao Imaculado
Coração de Maria, e a visão do Inferno.
«Vimos, mergulhados num mar de chamas, os demónios e as
almas, entre gritos e gemidos que horrorizavam…», relatou Lúcia de Jesus. A
imagem horripilante também está reconstituída no Museu, acentuada por efeitos
sonoros e luminosos.
No Museu estão reconstituídos todos os passos do mistério
de Fátima. As aparições do Anjo, atrás de um poço, na Loca do Cabeço, e as
sucessivas aparições da Senhora «mais brilhante que o Sol», no local onde
pastavam as ovelhas e hoje se ergue a Capelinha, em terreno pertencente ao pai
de Lúcia negociado com o Patriarcado de Lisboa em 1919. «Entreguem metade do
dinheiro que têm recebido para a construção de uma capela» recomendou, numa das aparições, a Senhora. E para que o recado não caísse no esquecimento, na
derradeira aparição, em Outubro de 1917, explicou o foco do negócio: «Façam aqui uma capela em
minha honra».
Os efeitos especiais seguem toda a visita guiada à
reconstituição das aparições. Trovões e relâmpagos para anunciar o milagre: «Já
vem aí Nossa Senhora. Já deu o relâmpago», diz Jacinta aos outros pastorinhos.
Chove no cenário mas, com efeitos psicadélicos, dá-se o Milagre do Sol,
«fenómeno que nenhum observatório astronómico registou», mas que foi observado
no local por setenta mil testemunhas.
O percurso não chega ao Terceiro Segredo, que só Lúcia e
o Papado conhecem por enquanto. Fugas de informação do Vaticano têm adiantado que
se refere ao aborto, às uniões homossexuais, à presença divina na Eucaristia, à
conversão da Rússia, à influência satânica na própria Igreja, «a fumaça de
Satanás», como lhe chamou Paulo VI. O Papa actual, interrogado por jornalistas
durante uma viagem em 1981, não confirmou nem desmentiu. «Rezem, rezem e não
perguntem mais nada», disse João Paulo II.
Ordenado para ser lido e publicado em 1960, o Terceiro
Segredo continua sob embargo, embora circulem na Internet versões não
autorizadas pela Igreja.
A reportagem publicada no Diário Económico, em 12 de Maio de 2000, tinha fotografias originais de João Paulo Dias
A reportagem publicada no Diário Económico, em 12 de Maio de 2000, tinha fotografias originais de João Paulo Dias
Sem comentários:
Enviar um comentário